sábado, 4 de abril de 2020

TELEGRAMA DA ILHA




Caros náufragos:

Reflitamos juntos com bom humor e criatividade nessas ilhas em que nos encontramos separados, arquipélagos coronarianos que nos causam choques nas coronárias. Na plena vigência do meu mandato de Presidente da minha ilha e único cidadão, quero aqui enviar minhas saudações diplomáticas a você de outra ilha próxima. Abraço carinhoso e agradecido por você estar no outro lado da linha, tentando salvaguardar sua pele, mas sem esquecer de mim.

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O porquinho da Índia não é porco nem é da Índia. Trata-se de um roedor que rói isolado nas cordilheiras dos Andes. Da mesma forma, o Presidente da República do Brasil não é Presidente e a República é uma mentira. Sobre o “Presidente”, é público e privado que esse senhor não governa, jamais governou. E quem conhece os caminhos históricos que levaram à independência do país sabe que essa República é um embuste.

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Hoje, sábado, 4 de abril de 2020, sai de circulação o Correio da Paraíba, jornal com 66 anos de existência em João Pessoa. Deixei de assinar há uns anos porque o dono, “imortal” Roberto Cavalcanti, usava o jornal para reafirmar o poder das aristocracias e fazer campanha aberta contra governos populares. Uma sociedade de massas dominada pela ignorância veio a merecer do “Sistema Correio” o jornal JÁ, versão rebotalho do Correio da Paraíba. O Correio morreu e espero também a falência desse esgoto jornalístico. Restou “A União”, que é oficial, mas ainda detém alguma dignidade. Lamento pelos jornalistas demitidos.

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Estou revendo DVD antigos com entrevistas e eventos culturais dos quais participei e registrei em vídeos. O material está sendo selecionado para montagem de documentário sobre o Grupo Experimental de Itabaiana (GETI) que fundei em 1976 na cidade Itabaiana do Norte, Parahyba. O editor é meu compadre velho Marcos Veloso Nascimento Prematuro, voltando de mansinho às lides artísticas depois de sofrer uma cirurgia que aumentou sua vida útil em 30 anos. A vida inútil ele gasta nesse isolamento, gravando programetes e fazendo esforço artístico para sobreviver lúcido no exílio a que fomos forçados, os da terceira idade descambando para a quarta.

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“Metade homem, metade omisso, uma parte morta, outra parte lixo”. Cantiga de Tulipa Ruiz, moderna trovadora nascida em Santos, São Paulo. No quadro atual da música popular brasileira, um alento. E esse homem negligente, impuro e acabado?

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Na condição de libertário, não estimo o regime de Cuba. Nessa pandemia, entretanto, basta ler as manchetes da imprensa mundial para sacar que o capitalismo cuida das finanças e o socialismo atende às pessoas. Até agora, só um registro de morte por coronavírus na ilha. Um turista italiano. Vinte e oito mil estudantes de medicina cubanos estão nas ruas e áreas rurais, prevenindo a doença. Estão ultimando antiviral para tratar coronavírus e pretendem exportar para o mundo todo a preço de custo. Cuba recebe navio de turistas com pessoas infectadas, recusado por todos os portos. Estão mandando ajuda médica para os países que pedirem. No Brasil, Bolsonaro expulsou os médicos cubanos.

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“A formação de médicos no Brasil se volta para o mercado, porque esse é o direcionamento que as universidades ainda dão”, opinião da médica e deputada comunista Jandira Feghali. Ela votou pelo Projeto Mais Médicos, contra sua própria categoria. Os médicos do Brasil querem mais dinheiro, e não mais médicos.

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Da minha ilha, mando meu abraço aos possíveis leitores, dizendo que não tem arrego. Não saio daqui nem pra cagar no mato. Quem quiser que faça parte do projeto político neoliberal mortal daquele tal. Mas, apesar do nosso ajuste fiscal, com finanças pessoais já dando sinais de cansaço, é imperativo que pensemos nos que não têm um prato de comida nesses dias infernais. Peço que ajudem o Hospital Padre Zé, em João Pessoa. Mantimentos, nada de dinheiro. Estão fornecendo 1.200 refeições/dia para pessoas em condições de rua. Eles vêm pegar na sua porta. Telefone: 3041.8400



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