Quando eu era menor, morei vizinho a ela. Éramos
todos de menor, todos representações do diabo, cuja exorcização é confiada à
ação educativa. Brincávamos de escola. Ela era a professora, eu o aluno. Na
nossa pedagogia, não existia o ideal do “bem”. Era só imitação da estrutura
pensada pelo adulto. Incluindo a posição de poder da mestra. Nós éramos
relicários de valores e aprendizes de feiticeiros.
Fiquei adulto e saí da escola. Não quis mais
estudar. Via na educação uma ameaça à minha liberdade. As exigências da cultura
formal, isso me fez afastar da escola. Ela, ao contrário, tomou gosto pela
poderosa instituição escolar, transformou-se gerente do processo educativo de
várias gerações. E das boas. Nasceu pra realizar o rito da iniciação desses
diabinhos, aprendeu a comandar a escolaridade obrigatória segundo os modelos
pedagógicos ideologicamente definidos pelas classes dominantes. Eu, virei anarquista,
inimigo dos agentes políticos da reprodução da sociedade de classe, entre os
quais os professores.
Essa professora hoje é uma espécie de ícone da
educação na minha terra, perpetuando comportamentos, valores e saberes da
sociedade. Como alfabetizadora, é comparada a outro imenso nome da educação
aqui, que é a professora Marieta Medeiros. Não é pouca coisa. Um dia ganhará o
reconhecimento por ser diferenciada, uma mestra vocacionada para essa missão de
adestrar meninos para entrar no sistema.
Seu primeiro aluno, eu fui um fracasso. Virei
marginal, no sentido de que atento de alguma maneira à ordem vigente, pois não
quis estudar, não tenho diploma de nada. Todavia, reconheço seus méritos por
integrar tantos diabinhos ao “paraíso” da cultura formal. Dona Fátima
Nascimento, minha amiguinha Fafá, irmã e parceira da infância comum tão
longínqua, tenho certo orgulho de ter sido seu discípulo nas nossas escolinhas
da Rua Santa Cecília onde moravam nossos pais. Vi desabrochar seu talento de
educadora, o gosto pelo poder docente. Competência técnica, seriedade no seu
trabalho e comprometimento com o ensino, isso é pra poucos mestres. Entre eles,
dona Fafá, minha primeira professora.
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