Num esbarro casual, dou de cara com aquele distinto,
nobre membro de família tradicional do Nordeste brasileiro, um heráldico
representante da fina flor de nossa sociedade. O homem está revoltadíssimo com
os rumos da nação. “Convocamos toda
a reserva moral de nosso país para essa luta pelo futuro do Brasil,
contra o PT e seu plano de transformar nossa pátria em uma Cuba”, esbraveja o “soldado”
de um exército civil que quer fazer parte de uma tal “maioria silenciosa”, povo
esse contrário a heresias como casamento gay, terras doadas para grupos de
índios na Amazônia, sistema de cotas nas universidades, menoridade penal, bolsa
família, médicos estrangeiros e outros assuntos capazes de esborrar o limite de
tolerância do que eles chamam “direita esclarecida”.
O amigo direitista veio logo
perguntando se eu voto na “onda vermelha” representada por Dilma e o PT, ou vou
me juntar, por exemplo, aos 600 mil militares das Forças Armadas prontos para
defender a nação dessa onda. Ele confessa que preferia votar no evangélico
Marcos Feliciano, no ruralista Ronaldo Caiado ou no militar Jair Bolsonaro, “cristãos
e pró-família”. Sem outra alternativa melhor, vão despejar seus votos no Aécio
Neves, “playboy um tanto irresponsável mas, na atual circunstância, o único
nome para barrar a corrupção e imoralidade petista.”
Respeito muito esse cidadão,
gosto dele, é ótima pessoa. Conheço sua família, é de minha terra, somos
conterrâneos. Antes de responder, fiquei pensando: o que despertou os
amortecidos instintos libertários dessa nobre figura? Nunca foi de se meter em
política, só ajudava aqui e ali algum candidato representante de sua classe
social, dos latifundiários e pecuaristas. Agora, estava metido em uma quase
conjuração para deter o tal golpe comunista. Eles, os conservadores de todas as
matizes, acreditam mesmo que estamos à beira de uma revolução vermelha. “É
gravíssimo!”, grita o homem. “O PT contratou seis mil médicos cubanos, são seis
mil guerrilheiros para agitar os pobres e miseráveis de todas as raças no
Brasil”, acredita.
Nem a criatividade do poeta
Zé Limeira poderia antever a cena absurda de seis mil médicos cubanos brigando
contra seis mil soldados brasileiros. Não entro no mérito das baboseiras
ideológicas desse senhor. Digo apenas que vou votar sem muita convicção. Desacredito
nesse sistema eleitoral, mas, de repente, me veio a vontade de participar e
votar na candidata contrária ao do meu compadre velho, reacionário. Só porque
lembrei dos seus avós e bisavós que controlavam as eleições em nossa terra
comum, nos bons tempos das eleições de bico de pena ou a coação humilhante de
tiranetes e seus capitães do mato, passando em revista pobres matutos, rasgando
cédulas e trocando por outras dos seus candidatos, impedindo a livre
manifestação do povo miserável. Hoje, o povão vota por comida, vende o voto por
ninharia, mas é dono do seu voto.
Apesar de tudo, ganhe quem
ganhar, leva no voto. Chega de palhaçada de quarteladas e revoluções cretinas,
de esquerda ou de direita. Entretanto, que dá um certo estremecimento diante
das ameaças desse povo, isso dá. Essa gente não joga pra perder e formam um
grupo muito forte, apesar de meio maluquetes. Já perderam bastante nas urnas. O
perigo de golpe armado é real, embora remotíssimo.
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