Meus olhos estão cansados. Recebi o cuspe de Satã
no olho esquerdo, gosma de cobra peçonhenta que, sem dó nem ré ou mi,
fatalmente fechará o véu para tornar poesia o que um dia foi retina e rotina. A
cara cortada de picadas de corvos imaginários, vendo por um olho só os tarôs e
venenos, suspiros e degredos, signos e medos.
Pressão intraocular batendo em horas
desencontradas, alfinetes nas encruzilhadas dos meus devaneios, alicate da
neuropatia óptica provocando lesões de ninfas e dragões.
A retina queima e se mostra faminta como as últimas
moscas do verão. O vermelho dos meus olhos não cabe nas faces de Marte ou nos
espelhos do sol. Glaucoma que perfura
meu olho como parafuso.
Quando enfim, fechar os olhos, devo lembrar de
cenas amontoadas, misturadas, sem sequência, com as chuchadas da pressão ocular
a me lembrar que ali restam cinzas de antigos sonhos de visão e agora, nervos óticos
mortos como lápides a lamentar o que não foi possível ver e rever. Não deu
tempo, e nem poderei chorar, que os cegos não choram, apenas tentam expulsar o
que sobrou de antigas imagens na sua cabeça de cego que quis ser vidente um
dia.
A visão é um farol que você acende por dentro e
clareia a estrada que acha definitiva. Seu cérebro muda radicalmente quando se
apaga o farol, clareando pra dentro essa luz negra que você não conhece e não
sabe pra onde vai.
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