terça-feira, 7 de outubro de 2014

Cuspe de Satã

Meus olhos estão cansados. Recebi o cuspe de Satã no olho esquerdo, gosma de cobra peçonhenta que, sem dó nem ré ou mi, fatalmente fechará o véu para tornar poesia o que um dia foi retina e rotina. A cara cortada de picadas de corvos imaginários, vendo por um olho só os tarôs e venenos, suspiros e degredos, signos e medos.

Pressão intraocular batendo em horas desencontradas, alfinetes nas encruzilhadas dos meus devaneios, alicate da neuropatia óptica provocando lesões de ninfas e dragões.

A retina queima e se mostra faminta como as últimas moscas do verão. O vermelho dos meus olhos não cabe nas faces de Marte ou nos espelhos do sol. Glaucoma  que perfura meu olho como parafuso.

Quando enfim, fechar os olhos, devo lembrar de cenas amontoadas, misturadas, sem sequência, com as chuchadas da pressão ocular a me lembrar que ali restam cinzas de antigos sonhos de visão e agora, nervos óticos mortos como lápides a lamentar o que não foi possível ver e rever. Não deu tempo, e nem poderei chorar, que os cegos não choram, apenas tentam expulsar o que sobrou de antigas imagens na sua cabeça de cego que quis ser vidente um dia.

A visão é um farol que você acende por dentro e clareia a estrada que acha definitiva. Seu cérebro muda radicalmente quando se apaga o farol, clareando pra dentro essa luz negra que você não conhece e não sabe pra onde vai. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário