segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Em festa de jacu, inhambu não pia

 

Na foto, estou ao lado do meu compadre Pedro Lourenço (fardado de agente do Fórum de Justiça), com Normando Reis e Val

Convenhamos que não é fácil envelhecer. Eu, de minha parte, entro nesse processo natural sob forte protesto, e foi-num-foi a gente entra em parafuso ao lembrar que não é mais dono daquele corpo de altíssimo nível que nos levava a fazer grandes besteiras na juventude. Por isso eu quero o touro amarrado no pé da cajarana e quero também poder comer torresmo, beber cachaça, caçar rolinha e tabaco, fumar meus cigarrinhos, sorver meus copinhos de cerveja gelada e conversar brebote com os amigos de outrora em mesa de bar. Não posso mais fazer essas extravagâncias, nem tampouco andar, que os joelhos estão apodrecidos de artrose. Até o ato de ler, um dos meus grandes prazeres nessa vida pequenina, não posso mais por motivo de invasão de uma tal de catarata e glaucoma na minha linha de visão. Enfim, adeus Serra Limpa caprichada, até nunca mais peladinha na beira do rio, esquecidos roteiros de vida boêmia nesses chãos paraibanos.

Digo isso para relembrar esse camarada e suas doideiras, esse eterno visionário quando se trata de delírios, meu compadre Pedro Lourenço, criatura que eu não avistava fazia uns bons vinte anos. Encontrei meu compadre vestido de guarda judiciário, magro e de modos circunspectos, diferente do Laurence de nossa época, entortador de cabeça e de estilo dos colegas quando moço, sujeito metido a galo cego, acabador de baile e tomador de meropéia. Hoje, não bebe, não fuma nem dança por causa de uma tal de diabetes, que Sonsinho garante se tratar das dançarinas do Diabo.

Foi num sábado de agosto de 1976 que eu vendi minha Variant amarela ao pai do compadre Sander Lee, por precinho camarada. Com o dinheiro no bolso, fui apreciar uma festa na cidade de São Miguel de Taipu, levando comigo Pedro Lourenço, o próprio Sander Lee, Joacir e um tal de Biu Penca Preta que competia com Tiririca e Muçum juntos em matéria de presepada. Passamos uma noite de ricos, comendo do bom e do melhor, arrematando galetos no pavilhão da festa, gozando da cara de fazendeiros e usineiros. Ser rico de repente te dá uma sensação de vitalidade, mas voltar a ser pobre quando o sol aparece é ruim pra danado. Foi assim. Gastei todo o dinheiro da Variant, voltamos para Itabaiana bêbados e lisos. A ressaca traz solidão, medo, culpa e arrependimento. Hoje, quando volta aquele filminho dessa aventurazinha, damos boas gargalhadas. Valeu a pena investir meu carrinho nessa noite especial.

Pedro Lourenço ficou conhecido naquela noite por se meter na delicada intimidade de um baile do interior. Mandou parar o baile, pediu ao conjunto musical pra tocar tango, pegou um tamborete e saiu bailando no salão, ao som de um tango maluco. Depois, pediu um som “eletrônico, orgânico e concreto”. O rapaz do órgão passou a tocar umas doideiras, já que bem pago pelo Lourenço. Enfim, ele sozinho fez o show, pagou bebidas pra todo mundo e potencializou a alegria daquele povo com sua performance de bêbado surreal.

No fim, apareceram uns rapazes querendo tirar graça com nossa turma de novos ricos, no que Joacir Avelino aconselhou ao chefe da rapaziada que não mexesse com aqueles caras, filhos de altos usineiros em Pernambuco. “Em festa de jacu, inhambu não pia”, sentenciou Joacir.

Enfim, emendamos a farra no cabaré das Malvinas em Itabaiana onde gastei meu último centavo. Comemos e bebemos minha Variant em apenas uma noite, aventura que foi lembrada pelo compadre Pedro após 38 anos.

 

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