Na vida temos fluxos, refluxos e defluxos, gosta de dizer o velho
Sonsinho, sem saber o que significa esse palavreado. Na sua especialidade, é um
usurpador sem culpa, um inocente que consegue por algum tempo enganar sua
plateia, dando uma de erudito, artista, poeta ou sábio. Assim sou eu, da mesma
laia, querendo confundir o burrico com o asno, mas no fim aparece o jumento de
orelhas abanando, como é costume e uso comum aqui na terrinha. Tem muito burro
posando de poeta, tem muito cretino vestindo roupa de benfeitor da humanidade.
Hoje num tou bom, vou logo avisando aos meus dois ou três
leitores. Não amanheci bom de corte. Todas as ilusões do sentido e do espírito
se desmancham no ar quando a gente ta ruim de corte. Problemas familiares. Mas
é o caso: o teu canto desfaz a tua dor, cantou o poeta. Vou treinar para fazer
percussão e viola num encontro de artistas que vai se dar no Ponto de Cultura
Cantiga de Ninar, dia 18 de janeiro, um sábado. Já tou afiando a alfaia. Elemento
posto em tormento em meio à alegria alheia se redime. Vamos à sambada que a
noite é d’água.
Não tem herói nem poeta, não tem artista nem nada. Perdida a força
do que se achava bom, tirado o santo do andor, vamos caminhar em terra de
homens carentes, mulheres idem com os pés inchados na rude batalha do
viver/sobreviver nessa merda de mundo. Quando se toca a alfaia, ouve-se a força do
profano e do sagrado e um som distante ecoa nos ouvidos de um homem sem
esperança que constrói seu canto com o barro podre da depressão. Do alto de sua
verborragia maluca, Sonsinho mira os pseudos eruditos e manda todo mundo lamber
sabão.
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