quinta-feira, 15 de outubro de 2015

De frente pro crime


“De frente pro crime”  é um samba de  João Bosco,  mas eu quero mesmo falar é de lances  cotidianos, eventos desimportantes que mostram  o nosso atraso no quesito cidadania.  Estava eu sentado no banco do canteiro em frente à Associação Atlética Banco do Brasil, em Itabaiana do Norte, olhando para o galpão onde funcionará o Ponto de Cultura Cantiga de Ninar.  Ao lado, a agência do INSS, prédio novo, vistoso, nas cores oficiais da instituição que recebe as pessoas prestes a se aposentar. Paradoxalmente, não tem rampa de acesso para cadeirantes ou pessoas com dificuldade de locomoção. Vi quando o senhor de bengala desceu os degraus com dificuldade. Para todos os efeitos, aquele cidadão simplesmente ignora os direitos da pessoa com deficiência, e o Instituto Nacional de Seguridade Social faz que não é com ele.  Não está traçado no código de ética do poder essa coisa básica de respeitar os direitos humanos.  Nem a sociedade se toca pra isso.  Direitos humanos no Brasil é sinônimo de protetor de bandidos!  A falta de moral e o excesso de malandragem, esses os gargalos principais da pátria amarela, verde e azul.

Outra velhinha, outro ser insignificante para o INSS, tentava descer os degraus, depois de sofrer as agruras da burocracia na agência. Um cidadão passou ao seu lado. Nem ao menos olhou, quanto mais oferecer ajuda. A anciã chegou à calçada e seguiu em frente, contornando alguns buracos  estrategicamente dispostos para quebrar a perna de algum  desavisado. Ao passar no galpão do Ponto de Cultura, a delicada senhora tapou as narinas, ao aspirar a fedentina dos coliformes e lama podre do riacho que corta a cidade, passando justamente naquele local. Uma cloaca no centro da cidade. O problema está afeto à Prefeitura , setores sanitários e Ministério Público. Os responsáveis mostram-se esquivos, como tudo que é lesivo, pérfido e desleal. Os pequenos interesses politiqueiros e pessoais botam cortina de fumaça nesses absurdos.

Ao lado, um bar e um domicílio. Do bar sai o dono enxotando um gatinho preto com a vassoura. No mesmo instante, um cão magérrimo e sarnento arrasta suas dores pela rua, em busca de comida. A vida injusta tirou a força e a esperança do cachorrinho. Ele segue mancando, sem confiança, para um futuro irrevogavelmente funesto. Vai morrer sem assistência, talvez a pauladas por tentar roubar um pedaço de carne. Em sentido contrário, vem o senhor de meia idade sem olhar para os lados, distraído, pensando nos seus humildes e irrelevantes problemas pessoais.  Não dá fé do cachorro, do gato, da velhinha, dos buracos ou do rio de lama.  Indigência, miséria e privação, injustiça e sacanagem governamental passam ao largo. Ninguém percebe. Vive-se no caos que já faz parte do cotidiano da coletividade. A indignidade não afeta a consciência daquelas pessoas.  E o futuro a Deus pertence, diz o padre na igreja.

Ninguém é exatamente culpado. Somos todos nós, acorvadados, cúmplices. Naquele riacho fétido estão misturados nossos sucos gástricos, nossas fezes. Indiferença e pusilanimidade. Co-participação na desordem geral. Quando estacionei o carro, quase caí em um imenso buraco ao pé da calçada. Uma boca de lobo aberta, pronta para me quebrar a canela.  Cadê o cara que é pago por mim para proteger o espaço coletivo? A sociedade civil tem um papel crucial. Só alguns poucos abnegados ainda fazem um esforço estéril para valer os direitos de todos. A maioria,  como diz compadre Marcos Veloso, “o que têm na cabeça não é muito diferente do que têm no intestino”.

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