Todo mundo, até a mulher de seu Raimundo sabe que a crônica é
um gênero muito apreciado pelos leitores. Distrai, educa, faz sonhar, rir,
chorar e aprender as chamadas “coisas do espírito” com quem tem espírito para
nos mostrar a graça das coisas mais desimportantes.
Pois bem. Um dia, deu uma coceira no meu compadre velho
Marcos Veloso e ele entrou em um sebo, comprou um livro de crônicas por dez
reais e acabou lendo o livro todinho. E gostou!
Dois fenômenos aí registrados: Veloso jamais havia antes
comprado um livro de crônicas e muito menos lido até à última página um
bichinho desses. O livro é uma antologia dos melhores cronistas do Brasil,
organizada por Manuel da Costa Pinto. “Crônica brasileira contemporânea” junta
Carlos Heitor Cony, Lourenço Diaféria, Ignácio de Loyola Brandão e mais sete
feras. No prefácio, o organizador afirma que “a crônica é a principal porta de
entrada da literatura para boa parte do público.” Desde Machado de Assis, a
crônica é o filé dos jornais e virou gênero literário brasileiro por
excelência.
Mas, a crônica é sobre o cara que comprou um livro de
crônicas. Veloso é um sujeito atilado, leitor de Fernando Pessoa, cineasta e
autor teatral. Cara a cara com esses cronistas geniais, o cara percebeu que
essa fonte é um prato cheio para sacações no palco, no set de filmagem ou até
nos eventuais textos para teatro que venha a compor. Renovam e ampliam a visão
de mundo da gente.
Tomei o livro por empréstimo e não pretendo devolver,
seguindo a tradição do bom leitor, que é socializar o acesso aos livros. Depois
de lido por mim, o livro de Marcos vai compor o acervo da Biblioteca
Comunitária Arnaud Costa, do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, na esperança de
merecer visitação de outro leitor neófito no mundo das crônicas, com fé em que
essa pessoa alimente seu senso crítico com os textos de ases do naipe de Mario
Prata e Luiz Fernando Veríssimo. Em troca, oferecerei ao compadre Veloso todos
os títulos que temos em nossa humilde biblioteca.
Até na Bíblia, as crônicas aparecem. Vide os livros 1 e 2 das
Crônicas, após o livro de Reis, antes de Esdras-Neemias. O cronista registra a
história do povo de Israel na monarquia unida desde Adão até Davi com o foco na
Aliança de Javé com o povo hebreu, com atenção especial nos patriarcas. Tudo
sobre a arca da aliança e o templo de Salomão, as façanhas dos reis e os grandes
mitos da antiguidade. Ressalte-se que, para reconstruir a história e dar ao
povo judeu a esperança no futuro, o autor de Crônicas selecionou apenas os
fatos positivos dos reis de Judá. Tem-se aí o primeiro exemplo conhecido de
cronista baba-ovo, o famoso bajulador que aluga sua pena para servir aos
poderosos do dia. O que não é o caso
dos cronistas brasileiros, os maiorais do gênero, elencados no livro que passo
a ler.
Enfim, que esse livro
continue cumprindo seu destino e acabe em outras mãos, e se comunique com seu
novo público da forma encantadora e cativante com que arrebatou o compadre
Marcos Veloso.
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