domingo, 11 de outubro de 2015

Crônica sobre um cara que comprou um livro de crônicas

Todo mundo, até a mulher de seu Raimundo sabe que a crônica é um gênero muito apreciado pelos leitores. Distrai, educa, faz sonhar, rir, chorar e aprender as chamadas “coisas do espírito” com quem tem espírito para nos mostrar a graça das coisas mais desimportantes.

Pois bem. Um dia, deu uma coceira no meu compadre velho Marcos Veloso e ele entrou em um sebo, comprou um livro de crônicas por dez reais e acabou lendo o livro todinho. E gostou!

Dois fenômenos aí registrados: Veloso jamais havia antes comprado um livro de crônicas e muito menos lido até à última página um bichinho desses. O livro é uma antologia dos melhores cronistas do Brasil, organizada por Manuel da Costa Pinto. “Crônica brasileira contemporânea” junta Carlos Heitor Cony, Lourenço Diaféria, Ignácio de Loyola Brandão e mais sete feras. No prefácio, o organizador afirma que “a crônica é a principal porta de entrada da literatura para boa parte do público.” Desde Machado de Assis, a crônica é o filé dos jornais e virou gênero literário brasileiro por excelência.

Mas, a crônica é sobre o cara que comprou um livro de crônicas. Veloso é um sujeito atilado, leitor de Fernando Pessoa, cineasta e autor teatral. Cara a cara com esses cronistas geniais, o cara percebeu que essa fonte é um prato cheio para sacações no palco, no set de filmagem ou até nos eventuais textos para teatro que venha a compor. Renovam e ampliam a visão de mundo da gente.

Tomei o livro por empréstimo e não pretendo devolver, seguindo a tradição do bom leitor, que é socializar o acesso aos livros. Depois de lido por mim, o livro de Marcos vai compor o acervo da Biblioteca Comunitária Arnaud Costa, do Ponto de Cultura Cantiga de Ninar, na esperança de merecer visitação de outro leitor neófito no mundo das crônicas, com fé em que essa pessoa alimente seu senso crítico com os textos de ases do naipe de Mario Prata e Luiz Fernando Veríssimo. Em troca, oferecerei ao compadre Veloso todos os títulos que temos em nossa humilde biblioteca.

Até na Bíblia, as crônicas aparecem. Vide os livros 1 e 2 das Crônicas, após o livro de Reis, antes de Esdras-Neemias. O cronista registra a história do povo de Israel na monarquia unida desde Adão até Davi com o foco na Aliança de Javé com o povo hebreu, com atenção especial nos patriarcas. Tudo sobre a arca da aliança e o templo de Salomão, as façanhas dos reis e os grandes mitos da antiguidade. Ressalte-se que, para reconstruir a história e dar ao povo judeu a esperança no futuro, o autor de Crônicas selecionou apenas os fatos positivos dos reis de Judá. Tem-se aí o primeiro exemplo conhecido de cronista baba-ovo, o famoso bajulador que aluga sua pena para servir aos poderosos do dia.  O que não é o caso dos cronistas brasileiros, os maiorais do gênero, elencados no livro que passo a ler.

Enfim, que esse livro continue cumprindo seu destino e acabe em outras mãos, e se comunique com seu novo público da forma encantadora e cativante com que arrebatou o compadre Marcos Veloso.


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