Polícia procurando pobre suspeito nos ônibus |
Estava o velhinho aqui às cinco de la matina, esperando o
buzão. Rua deserta em co-participação com uma chuvazinha amena. Acresce que
esqueci de trazer o do ladrão, aquela merreca que você tem que carregar no
bolso pra entregar ao assaltante, porque senão corre o risco de levar uma
facada no bucho pra deixar de ser tão pobre. Lá vem o sujeito suspeito,
bonezinho, camisa do Flamengo. Antes que me enforquem, vou logo justificando:
não quis dizer que quem veste camisa do Flamengo é tudo suspeito. Muito pelo contrário.
É que, se fosse camisa do Clube Náutico Capibaribe, eu poderia até levar um
lero com o sujeito:
--- E aí, Timbu? Será que a gente sai do buraco?
Mas o rapaz era Flamengo e eu não tinha nenhum bem que
devesse ser posto em segurança. Meu relógio não vale cinco reais e no bolso,
apenas a quantia pequena da passagem. O único bem era eu mesmo, minha vida.
Fiquei imaginando que mundo louco esse nosso, onde você define logo um inimigo
no ser que vem vindo pacificamente, vestido com a camisa do Flamengo, de
bermuda e bonezinho. Talvez um trabalhador a caminho do trampo, um pai de
família em busca de remédio para sua mãezinha ou pro filho doente. Nomeado o
inimigo, resta combatê-lo, dentro do raciocínio simplista e linear alimentado
pela televisão e rádio com seus programas “mundo cão.” Pobre é sempre apontado
como autor ou culpado de algo. Ou fez, ou vai fazer merda. E no grande afã de
combater o inimigo, a gente bota o medo dentro da cabeça e sai por aí
suspeitando de cada rapaz pobre e flamenguista.
Sem me descuidar do flamenguista, fiquei pensando nas
contradições do capitalismo. Que pressão sofre o povo para se ajustar aos
esquemas do poder econômico. Ora no psicossocial, ora no campo político, nesse
jogo diabólico e hábil de manter o status
quo.
De repente, o hipotético inimigo se transformou. Notei que
ele carregava um guarda-chuva e não sei por que, imagino que ladrão não usa
esse artefato. O bandido não se protege, ele se joga sem rede, sem segurança. Fundamento
justificatório para desarmar a consciência da ameaça. Isso porque não havia
lido a notícia de que bandido
assaltou funcionários de um posto de gasolina em Brasília, usando o cabo de um
guarda-chuva no lugar de uma arma.
Mas o flamenguista era gente
boa. Chegou junto, deu bom dia e reclamou da demora dos ônibus. Outro
pensamento filosófico abestalhado que me passou na hora: “a pessoa humana tem
vocação universal e está acima do Estado, da ideologia, do preconceito e até
das preferências futebolísticas.” Sim, e pra completar, peguei o ônibus errado,
fui parar num subúrbio distante e desconhecido, andei três quilômetros a pé na
garoa refrescante de uma manhã sem medo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário