Dona Cremilda e sua neta, Socorro Almeida |
Ontem falei sobre o cangaceiro
Cocada, do bando de Antonio Silvino, nascido na vila de Guarita. Por acaso,
descubro hoje que sou vizinho de uma senhora também de Guarita. Trata-se de
dona Cremilda de Sousa Almeida, irmã do empresário itabaianense Zé Granfino, do
ramo de posto de gasolina. Dona Cremilda mora há muitos anos na Rua Senador
João Lira, em Jaguaribe. Vai comemorar 95 anos em dezembro, super lúcida e
ativa, conforme testemunho de sua neta, minha amiga Socorro Almeida.
Vovó
Cremilda viveu em Guarita nos tempos do cangaço. Ouviu e viu minhas histórias
de sujeitos brabos, de lutas sangrentas no esforço cego do homem para dominar
seus espaços em uma época sem lei. Comprova muitos relatos sobre Cocada, seu
conterrâneo que entrou para o bando de Antonio Silvino muito moço. Seu chefe
foi condenado a duzentos e trinta e oito anos e oito meses de prisão pelo que
fez nos vinte anos de vida no cangaço. Foi solto em 1937, indultado por Getúlio
Vargas. Cocada não teve a mesma sorte. Foi assassinado com trinta e cinco
facadas e teve a orelha decepada, guardada como troféu pela polícia de
Timbaúba, onde encontrou seu fim depois de trocar tiros com policiais nas
proximidades de Serrinha, hoje Juripiranga.
Mas
voltando à vovó Cremilda, essa senhora é uma prova de que fazer palavras
cruzadas é o melhor preventivo contra doenças da senilidade. Estimulado pelas
informações recebidas pelos neurônios, o cérebro fica criando novas ligações e
rejuvenesce. Dona Cremilda é viciada em palavras cruzadas desde sempre. Por
causa dessa ginástica cerebral, se mantém ativa, lúcida e bem disposta. Vai
chegar aos cem anos de maneira geral muito bem fisicamente, com suas mãos
cheirando a alecrim, lembrando do dia em que a rezadeira bateu com o ramo do
alecrim em sua cabeça, repetindo com aquela voz de assombração: “Eu te
desassombro da má sombra que te assombra”. Na velha Guarita de então, remédio
era clister de pimenta-d’água, batata-de-purga e palmada com chinelo de sola
grossa se não se comportasse bem. Feliz de quem adoecia, porque podia comer
galinha cozida com pirão de farinha de mandioca. Era assim o universo de dona
Clemilda. Ninguém fique estupefato por ela ainda estar viva e consciente. É de
um tempo em que as pessoas viviam suas pequenas alegrias em seus mundinhos
fechados, sem conhecer muito o medo do amor, da morte, de vícios, das traições,
da doença e da velhice. Vivia-se com a sabedoria dos gatos, evitando o choque
com outras forças, tranquilos e normais, sem neuras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário