O velho Leão às vezes
anda nas moitas da solidão e desnorteamento
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Acordo todos os dias às quatro e meia da
madruga, hora em que os passarinhos estão ainda sonhando com as minhocas. Já
estou velho, não tenho esperanças de me reabilitar desse costume. Depois de
preparar suco de dois limões com canela, para melhorar da artrose, vou sorver
essa água que passarinho não bebe entregando-me aos prazeres de escrever
asneiras aqui nesta Toca. Com o sol saindo, já atualizei os blogues da Rádio
Comunitária Zumbi dos Palmares, jornal Tribuna do Vale e Ponto de Cultura
Cantiga de Ninar. Na indiferente companhia da gata Lili, leio algumas páginas
do livro da vez, preparo vitamina de banana e maçã e passo a vista nos blogues
favoritos, no Facebook e Twitter.
Evitando os olhos de Lili, cada vez mais
amarelos e insensíveis, tranco-me na “casinha” para descomer a consumação da
noite anterior. No “trono”, começo a ler os rótulos das garrafas de detergente,
caixas de sabão e o mais que aparecer impresso, quando me vem sempre a ideia de
que o melhor local para se instalar uma biblioteca é ao alcance da mão do
ocupante do vaso sanitário. Desvio sempre o pensamento para o excelente plano
de se publicar poesia nos rolos de papel higiênico.
Lili me espera à porta do sanitário, aguardando
sua ração matinal. Olho a rua deserta, as casas fechadas, não me animo a
caminhar. O mundo começa a girar lá fora, a máquina maluca da grande cidade se
move com seus barulhos angustiantes. Os ônibus lotados de trabalhadores,
ladrões, pederastas, ascetas, malucos, sádicos, atores, evangélicos,
periguetes, putas, senhoras gordinhas e santas, cobradores mal humorados. Medo
de conviver com a humanidade, mas enredado de tal modo com essa merda toda que
o jeito é cumprir os compromissos. Vontade de dar uma procuração a uma pessoa de
grande força e influência para solucionar meus pepinos.
Os olhos de fome de Lili, silenciosa, preta e
branca. Finjo indiferença também, mas a gata é a única que presta alguma
atenção em mim. Saio correndo para a primeira obrigação em um bairro distante.
É legal não ter o que fazer, já que sou aposentado. Nada há a fazer senão
redigir contratos do jornal, dar acabamento no livro a ser encaminhado à
gráfica, desenhar a “boneca” da edição do “Tribuna”, bolar o roteiro do
programa de rádio, fazer a contabilidade da associação, ir na prefeitura para
pagar impostos do projeto, remeter correspondência, procurar o técnico para
consertar a geladeira e visitar o departamento de trânsito para renovar a carta
de motorista. Sim, e bolar uma maneira de produzir capital para a feira.
A lógica não permite que eu seja eficiente para
atender essa pauta numa manhã, mesmo acordando às quatro e meia da matina. Nada
há a fazer senão agachar-me no meio da agitação e deixar que o Acaso ache as
soluções para os transtornos de ordem prática e as indisfarsáveis questões
morais, psicológicas. Como esse anjo ajudador não aparece, deito na rede, mais
tranquilo. Afinal, sou aposentado. Recebendo uma pensão imoral por mês, a
cabeça do sujeito não trabalha acertadamente. O cara fica esperto em mil
pequenos truques de sobrevivência que dá náuseas.
Lili jamais solta um miado. Gata de aparência
distinta, com sua aura familiar, me lembrou um tal de Major Dedé, personagem de
Hermilo Borba Filho, autor desses versos tolos e profundos:
Um homem e um gato
se encontram.
O gato engole o homem
e lambe os bigodes.
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