Mestre Miro com seus bonecos originais |
Quando era
menino, vi um mamulengo, que se chamava babau, na rua das Flores em Itabaiana.
Encantado, eu disse a mim mesmo: um dia eu ainda vou brincar com esses bonecos
danados. Deu-se que o acaso me levou a conhecer e me tornar companheiro de
trabalho do mestre que me enfeitiçava com sua marieta, rosinha, joão redondo,
boi, cobra, diabo, padre e benedito feitos de pau de mulungu. Cheguei a brincar
na sua tolda, mexi na sua mala de bonecos, toquei pandeiro na sua “orquestra”
do babau do Chico do Doce.
Quando Chico
morreu, levou com ele sua mala, suas histórias e sua arte que ficou esquecida.
Em Mari, conheci outro mestre, o Miro do Babau. “Ninguém quer saber mais disso
não”, diz mestre Miro, com seu paletó espalhafatoso e suas cantigas de brega.
Seus bonecos bem manipulados já sentem o cansaço da mão do artista cheia de
artrite. Terá o mesmo destino de Chico do Doce: vai morrer pobre e esquecido,
igual ao mestre Antonio do Babau, ícone da brincadeira na Paraíba, filho de
Mari.
Esses mestres
estão sendo reconhecidos agora. Em breve, diz que vai sair um edital do
Ministério da Cultura para dar dinheiro para mestres com mais de sessenta anos,
muitos deles vivendo em situação de miséria no interior do Nordeste. O melhor
é que, depois de oito anos de burocracia, o mamulengo passou a ter o título de
patrimônio imaterial do Brasil.
Estamos tentando
montar uma peça de teatro intitulada “Mari, Araçá e outras árvores do paraíso”,
contando a história daquela pequena cidade paraibana. Na peça, fazemos uma
homenagem ao mestre Miro e Mestre Antonio do Babau. Os protótipos dos bonecos
já estão quase prontos. Uma tentativa de levar às novas gerações essa arte
popular que, como tantas outras, é considerada medíocre, coisa de gente
analfabeta no mundo do capitalismo e da cultura de massa que marginaliza as
expressões artísticas de raiz. Esses grandes espetáculos de mamulengo, eruditos,
são frutos do babau, apresentam os mesmos elementos do joão-redondo
tradicional, seu humor e despojamento.
E viva o Babau
nordestino!
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