Eu com a turma da Rádio Araçá de Mari: Manuel Batista, Ricardo Alves e Carlos Alcides, em recente encontro na Rádio Tabajara |
Meu compadre velho
Ricardo Alves, o Ceguinho, foi quem me informou que um tal de Reginaldo
apareceu na Rádio Comunitária Araçá me procurando, em Mari. Disse que me
conhecia desde quando era garoto. Lembro de ter conhecido três reginaldos em
Mari: um filho de Dequinha, colega ferroviário, outro irmão do meu compadre Biu
Apaga Luz e o terceiro era um rapaz militante do Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra. Pela descrição do Ceguinho, não se tratava de nenhum dos
três, apesar de que se sabe que não se deve levar muita fé em testemunho de
cego, rogando perdão aos politicamente corretos pela piada infame.
Ricardo deu o número
do meu móvel para o rapaz, ele acabou me ligando. Surpreso, lembrei que se
trata de um meninote que apareceu na estação do trem onde eu trabalhava,
magrinho, faminto e analfabeto. Levei o menino pra casa, descobri que era filho
de agricultor e não conhecia uma escola. Dona Ivana, que era professora, levou
o garoto para estudar no Grupo Escolar Augusto dos Anjos. Ele passou a ser meu
office boy. Era um menino decente, filho de família pobre e digna, sem terra e
sem pão, integrante desse contingente imenso dos deserdados, trabalhadores das
plantações de fumo, roça e abacaxi, semi-escravos do latifúndio.
O irmão de Reginaldo
também apareceu para conhecer nossa família. Onde come um, comem dois, diz o
ditado popular desse povo tão acolhedor que é o nordestino. Ficaram por lá um
bom tempo, até que eu me mudei para João Pessoa. Nessa mudança, dei de presente
aos meninos o meu cachorro Pitu, um vira-lata preto e branco, muito esperto.
Achei que aquela família de agricultores seria digna do meu cãozinho, um povo
tão cordato e honesto.
Quase vinte anos
depois, me liga Reginaldo:
--- Seu Fábio, que emoção! Sou eu, aquele
menino magrinho que o senhor ajudou, comprou lápis e cadernos pra eu estudar.
Hoje tenho 31 anos, casei, moro em Cruz das Armas, trabalho fazendo portão de
ferro. Qualquer dia vou na sua casa. Nunca me esqueço do senhor e de sua
mulher, tão bondosos, que me ajudaram tanto na minha infância.
Já
é o segundo moleque com quem me relacionei em Mari que me encontra este mês. O
outro foi um ex-pupilo de minha escolinha de futebol que mora hoje em Sapé. O
fato é que sempre fico impactado com esses lances do destino, do acaso.
Encontrar alguém que reconhece seu benfeitor, a lembrar que “a bondade é uma
linguagem que o surdo consegue ouvir e o cego consegue ler”, conforme escreveu
Mark Twain. E saber que aquela criatura driblou a miséria, conseguiu estruturar
uma vida digna.Esqueci de perguntar por Pitu, que já deve estar no céu dos cachorros há muito tempo. A vida segue.
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