Um site
bíblico comenta que o caso da burrinha de Balaão é um dos milagres mais
fantásticos do Velho Testamento. Resumindo: o Rei Balaque mandou Balaão amaldiçoar
o povo de Deus em Moabe. No caminho, Deus
envia seu Anjo, que é Jesus personificado em Anjo, com a espada desembainhada,
pronto para matar Balaão. Como todo mundo sabe, os animais têm o dom de
perceber fenômenos sobrenaturais à sua volta. A burra viu o Anjo e tentou
avisar ao Balaão do perigo que corria. O ignorante Balaão, pensando que sua
fiel mula estava empacando, soltou o chicote nas ancas do pobre animal. Cansada
de levar pontapés, a burrinha falou, inspirada pelo próprio Deus:
--- Que te fiz eu, que me
espancasses três vezes? Porventura não sou tua jumenta, em que cavalgastes
desde quando eras menino de colo? Já te fiz alguma coisa, por acaso te dei
algum coice durante esse tempo todo?
E por aí seguiu o diálogo entre
Balaão e sua jumenta, resultando que o bicho acabou por salvar seu dono da
espada do Anjo, e tudo acabou bem.
Essa história de Balaão me veio à
mente conversando com meu compadre Jacinto Moreno, autor de um filme sobre o
milagre da aparição de Nossa Senhora de Fátima a uns pastores em Portugal. O
filme se chama “Cova da Iria”. Moreno esteve recentemente em Portugal para
mostrar seu filme em um festival de vídeos.
Eis que estou sentado no banco da
praça João XXIII em Jaguaribe, com cinco livros que iria levar para doar em uma
biblioteca local, por aquele acaso que precede os milagres, abri um exemplar de
“Viagens na minha terra”, do português Almeida Garret, na página 174,
justamente no capítulo que conta a história de Santa Iria, muito popular em
Portugal.
Resumindo: a milagrosa Santa Iria –
Santa Irene – que deu o seu nome a Santarém, era freira num convento beneditino
nos meados do século VII. Um sujeito por nome Britaldo apaixonou-se pela bela
freira. O amor não correspondido acabou por prostrar o jovem em leito de morte,
no que foi acudido e consolado pela freira caridosa. Eis que o monge Remígio também
se apaixona pela sedutora noiva de Cristo, mais uma vez sem que a inditosa irmã
venha a sentir os ardores do amor. Com raiva da insensibilidade da futura
Santa, o monge preparou uma bebida endiabrada. Ao tomar o chá amaldiçoado, a
freirinha começou a mostrar sinais de gravidez, sendo que era tudo invenção do
Diabo para desencaminhar a imaculada jovem. Com entojo e o bucho pela boca,
Santa Iria não aguentou os insultos e o desrespeito da mundiça, que povo
fofoqueiro e falador da vida alheia sempre existiu. Desesperada, lançou-se ao
rio Zézere. Os monges foram encontrar seu corpo no leito do rio, coberto por
fino alabastro, obra das mãos dos anjos. A Rainha Santa Isabel fez fervorosas
orações na beira do rio, então suas águas se abriram como o mar Vermelho de
Moisés. Ela então pôde entrar rio a dentro sem se molhar, com toda sua corte,
incluindo pedreiros que passaram muitos dias reformando o mausoléu de Santa
Iria. “O rio esperou com toda paciência que os pedreiros acabassem, e quando
viu que poderia continuar a correr, deu aviso, retiraram-se todos, tornaram-se
a juntar as águas e o túmulo da santa ficou por cima delas”, conforme Almeida
Garret na obra citada.
Em verdade vos digo que toda essa
conversa de burra falante e outras coisas fantásticas vai em função de comentário do meu compadre
Onaldo Rodrigues de Almeida. Ele me enquadrou como quadrúpede por ter citado
Albert Einstein no Faceboo: “A palavra Deus é, para mim,
nada mais do que a expressão e o produto das fraquezas humanas, e a Bíblia uma
coleção de lendas honradas, ainda que primitivas, e que de qualquer maneira são
bastante infantis. Nenhuma interpretação, por mais sutil que seja, é capaz de
(para mim) mudar isso.” No que Onaldo exclamou: “Quadrúpede, de onde vem tua
capacidade e teus dons?” Desconfio que tem algo a ver com a sensibilidade, a
humildade, a ousadia mansa, a sabedoria e isenção, o tormento dos pequeninos e
maltratados, feito a própria burrinha de Balaão. Quando conseguem falar, e
melhor, pensar, fazem a revolução.
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