Seu Ciço caminhando na caatinga do sertão, Dom Quixote pós-moderno em guerra contra moinhos de ventos primitivos
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Seu Ciço
anda por um Brasil rudimentar, com seu cajado de profeta ambíguo de um mundo
que ainda não saiu do feudalismo. É um homem que mora na filosofia do chamado
viver alternativo, uma espécie de hippier sertanejo, nascido em Catolé do
Rocha, alto sertão da Paraíba. Os hippies dos anos setenta adotaram um estilo
de vida nômade deixando o conforto dos seus lares para viver nos campos, em
comunidades. Seu Ciço decidiu ser candidato a deputado, vai contestar o regime
capitalista “por dentro do monstro”, tática adotada pela esquerda nas últimas
décadas, com os resultados que já se sabe.
O candidato
saiu pelas ribeiras pregando sua mensagem de ativista sócio-ambiental, “por uma
democracia participativa, inclusão social, ressignificação da política e
combate à corrupção”, temas que nunca saem de moda. Como bom profeta, Ciço anda
a pé com seu cajado de pregador messiânico. Ele não é a “terceira via” de que
tanto se fala. Não é tampouco um aproveitador, candidato folclórico, palhaço de
eleição ou aqueles elementos que dão um dedo da mão para aparecer, para ter
seus instantezinhos de fama. Ciço acredita na sua mensagem. Seu maior inimigo
nem é a truculência e o rolo compressor das oligarquias políticas. É a
ignorância do povo, daquela gente sertaneja de Catolé do Rocha, Jericó, Lagoa,
Mato Grosso, Paulista, Riacho dos Cavalos, Belém de Brejo do Cruz, São Bento,
Pombal, Coremas, Cajazeirinha, Picos, Conceição da Miséria, Brejo dos Santos,
Bom Sucesso, São Bentinho, Malta, Condado, Santa Gertrudes, Patos, São Mamedes,
Quixaba, Teixeira, Junco, Santa Luzia, Assunção, Tenório, Juazeirinho, Soledade,
Pocinhos, Lagoa de Dentro, Puxinanã e São José da Mata, lugares por onde passou
e pregou, distribuiu santinhos, foi ridicularizado, abraçado, convidado a
entrar nas casas das pessoas “para um papo com café ao redor do fogão de lenha
da cozinha”. Arrumou uns votinhos, enfrentou provocações e insultos. Escreveu
no seu diário de viagem:
“Indignado
com a impostura de lideranças municipais, que a preço vil, negociam votos de
eleitores humildes e submissos, como quem vende algodão na folha. Empresários
forasteiros e endinheirados pagam uma mixaria pelo status do poder e por uma
vaga no trem da corrupção. Esses eleitores não podem viver a cidadania e a
liberdade de escolher livremente seus representantes. De nada adianta pedir que
resistam, que saiam da caverna e rompam as amarras que prendem seus destinos às
mãos sujas dos que os mantém sob esta condição análoga à escravidão. Fui até
ameaçado por pessoas nestas condições, usadas como estafetas de políticos que
nos consideram como invasores de seus currais eleitorais. Reagi na mesma
medida, e o mínimo que fiz, entre resmungos impublicáveis, foi mandar se
lascar.”
Porque o
profeta também fica irado. Mas não perde a fé, que considero totalmente
irracional, na eleição como forma de mudar essa realidade. Seguiu seu caminho,
passando num lugar chamado Conceição da Miséria. Que cidade é essa, Ciço? Ele
explica:
“É um
distrito de Catolé do Rocha, lugar onde houve uma grande matança de índios em
meados do século XVIII. Os colonizadores só pouparam as mulheres jovens e
bonitas, casaram-se com elas e daí brotou o tronco principal de uma das maiores
famílias da Paraíba, os Cavalcanti. Foi por muitas décadas propriedade do
Coronel Valdivino Lobo e ainda pertence aos seus descendentes, filhos e netos
do médico e ex-deputado Dr. Américo Maia. É vizinho ao sítio em que nasci, Dois
Riachos. Com 7 anos de idade, já carregava leite de lá em três jumentos. Meu
pai foi agricultor e queijeiro da fazenda por 40 anos. Em sua igreja, de bela
arquitetura, erguida em 1762 e preservada pelos cuidados de dona Cícera Araújo,
eu fui batizado e crismado. Disse-me meu padrinho Oliveira, que eu dei uma
mordida no Bispo Dom Zacarias Rolim de Moura quando ele melou minha testa com o
óleo bento. Não lembro de ter feito isso."
Minha
reverência pessoal a este hippie retardatário, vindo de um mundo fanático,
delirante, tradicional e conservador, aldeias que ainda falam o português arcaico, lugares isolados para os quais ele agora retorna com seu matulão de
profeta pós-moderno, pregando uma utopia que se confunde com o sebastianismo
ainda latente na cabeça daquela gente. Nesses cafundós, a realidade parece
contrariar o mais sólido senso comum. Tudo parecido com essa figura, esse seu
Ciço Filho vestido de roupas de vaqueiro medieval, chapéu de couro na cabeça, candidato
a deputado de um país também desconhecido para aquelas populações.
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