Parece que foi em 1974 o começo de minha bem querência pela
fofinha baixinha que ficava na janela esperando eu passar na minha bicicleta
Monareta vermelha. Naquela época, a censura era muito forte no Brasil “ame-o ou
deixe-o”. Aliás – não sei se você se lembra – eu escrevia uns poemas babacas
meio que codificados, para fugir de uma censura que nem era oficial. Agora que
eu já tenho idade bastante para não comemorar mais nada, me pego lembrando
dessas efemérides, como esses quarenta anos de minha primeira tentativa de
cometer um poema, justamente tratando de minhas fantasias. Não sei onde foi
parar o poema, que falava coisas como “você sabe que eu passei na sua rua
porque tem marcas das pegadas de minha Monareta no calçamento e no seu chibiu
que ninguém jamais viu”.
Olha, seu menino, a menina faceira na janela acabou
por retribuir a literatura barata com carinhos ousados por trás do muro que me
faziam morrer em rimas pobres, em redondilhas fatais queimando até as cinzas de
nossos jovens desejos. Umas palavras certeiras que renasciam do avesso nessa
libido, versos-recomeço dissolvidos e reconstituídos vida afora, porque nem eu
nem ela conseguimos frear a Monareta, sem querer me deter nos detalhes porque
não passa na censura. Por conta dessa literatice, editei um fanzine por nome “Verso
e reverso”. Encurtando a conversa: passei a compor versinhos desbragadamente, semvergonhamente,
“com o coração contente enquanto seu amor for meu somente”, conforme declama J.
G. de Araújo Jorge, o mais amoroso e brega sonetista brasileiro. Isso tudo
porque jamais deixei de passar na sua rua pela vida afora, “relembrando esse
passado de nós dois, esse passado que começa agora”.
Meus cumprimentos efusivos ao jovem poetastro que um
dia eu fui, diluído em verso-recomeço nesses quarenta anos de estrada vicinal
da emoção sempre renascida. Com as devidas e regulamentares lágrimas de saudade
sem censura, que eu costumo desrespeitar as leis ditatoriais, mas jamais desconsideraria
os sinais do trânsito confuso de sua rua-sentimento, escanchado em minha Monareta
vermelho-paixão.
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