segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O que eu sinto por você não passa na censura


Parece que foi em 1974 o começo de minha bem querência pela fofinha baixinha que ficava na janela esperando eu passar na minha bicicleta Monareta vermelha. Naquela época, a censura era muito forte no Brasil “ame-o ou deixe-o”. Aliás – não sei se você se lembra – eu escrevia uns poemas babacas meio que codificados, para fugir de uma censura que nem era oficial. Agora que eu já tenho idade bastante para não comemorar mais nada, me pego lembrando dessas efemérides, como esses quarenta anos de minha primeira tentativa de cometer um poema, justamente tratando de minhas fantasias. Não sei onde foi parar o poema, que falava coisas como “você sabe que eu passei na sua rua porque tem marcas das pegadas de minha Monareta no calçamento e no seu chibiu que ninguém jamais viu”.

Olha, seu menino, a menina faceira na janela acabou por retribuir a literatura barata com carinhos ousados por trás do muro que me faziam morrer em rimas pobres, em redondilhas fatais queimando até as cinzas de nossos jovens desejos. Umas palavras certeiras que renasciam do avesso nessa libido, versos-recomeço dissolvidos e reconstituídos vida afora, porque nem eu nem ela conseguimos frear a Monareta, sem querer me deter nos detalhes porque não passa na censura. Por conta dessa literatice, editei um fanzine por nome “Verso e reverso”. Encurtando a conversa: passei a compor versinhos desbragadamente, semvergonhamente, “com o coração contente enquanto seu amor for meu somente”, conforme declama J. G. de Araújo Jorge, o mais amoroso e brega sonetista brasileiro. Isso tudo porque jamais deixei de passar na sua rua pela vida afora, “relembrando esse passado de nós dois, esse passado que começa agora”.

Meus cumprimentos efusivos ao jovem poetastro que um dia eu fui, diluído em verso-recomeço nesses quarenta anos de estrada vicinal da emoção sempre renascida. Com as devidas e regulamentares lágrimas de saudade sem censura, que eu costumo desrespeitar as leis ditatoriais, mas jamais desconsideraria os sinais do trânsito confuso de sua rua-sentimento, escanchado em minha Monareta vermelho-paixão. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário