Populares carregam objetos saqueados de lojas
em Abreu e Lima
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“Minha mãe me ensinou o que era bom e o que era
mau e meu pai me ensinou a obedecer.” (Zeca de Adalgisa)
Tecnicamente, sua memória de longo prazo é ilimitada. É
possível se lembrar de tudo que já aconteceu em sua vida. Eu me lembro de
quando tinha seis anos de idade na cidade Timbaúba dos Mocós, com meu irmão
mais velho, caminhando de manhãzinha para a escola com um tamborete na cabeça
e, em cima dele, a cartilha do ABC, a tabuada, um caderno e um lápis grafite
com borracha. Nossa escola estava longe do padrão Fifa, mas tinha uma
professorinha que pegava na minha mão para ajustar a coordenação motora e
contava histórias edificantes toda vez que algum pirralho cometia gaiatice ou
indisciplina. Meu único dissabor era ter que ficar só olhando enquanto os
colegas comiam sua banana com rapadura e suco de caju na hora da merenda. Na
volta, minha mãe supria essa lacuna com muito carinho e feijão de corda com fígado
de alemão, um prato muito famoso nas casas dos proletários daqueles tempos
bicudos.
Aliás, foi minha mãe que me ensinou a ser honesto, sem
jamais ter dito uma palavra sobre isso. Era sua conduta, sua filosofia de vida,
seu exemplo. Lembrei disso lendo hoje nos jornais de Pernambuco que as mães dos
rapazes dos arrastões de Abreu e Lima começaram um movimento de devolução das
mercadorias saqueadas durante a greve da Polícia de Pernambuco. “Filho meu não
bota a mão no alheio”, disse uma honesta mãe que forçou o filho a devolver a
máquina de lavar surrupiada de uma loja.
Para Nelson Rodrigues, “entre nós, o flagelado vende a filha por um pedaço de rapadura”. Não
acredito. Existe a honra materna, e isso ainda se vê, como no caso das mães de
Abreu e Lima. Não dou um vintém pelo pai, mas a mãe é sagrada. Ela não acoita o
filho trombadinha, tem vergonha de ser mãe de bandido. Isso as mães pobres das
favelas e mocambos, porque a madame que pariu o político safado, essa tem é
orgulho. A mãe do empresário desonesto, do prefeito corrupto, do magnata cujos
bens são mais duvidosos do que a virgindade de Madame Preciosa, essa acredita
piamente que seu rebento é o rei da ética. A maioria por desinformação, por
distorção social, por pura ignorância e cegueira de classe. Acham que o rico
pode tudo, está acima das leis dos homens e das divindades.
Conheço um rapaz aqui por perto que teve a ideia de botar sua
mãezinha como “laranja” numa associação fantasma para roubar dinheiro do
Estado. A senhora mãe do larápio, que em São Paulo chamam “corinthiano” ou
“Paulo Maluf”, coitada, acho que ainda hoje desconhece que foi “laranja” do
corsário rapinante. Esse rato de dinheiro público não fez a lição de casa. Sua
mãe falhou naquilo que é essencial na formação do caráter de uma pessoa, o
exemplo de casa, aquilo que vale por todo um sistema de educação que não
funciona. O comovente exemplo das mães de Abreu e Lima nos dá alguma esperança
na recuperação moral dos filhos dessa “mãe gentil” Brasil, tão enxovalhada em
sua honra.
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