Foto de escrava feita por Marc Ferrez |
Um juiz
determinou que os cultos de origem africana no Brasil não são religiões. Para o
meritíssimo fundamentalista, apenas sua religião católica pode ser considerada
sistema cultural de crença respeitada e abrigada pela lei. O resto é seita.
O caso
me lembra um processo antigo que correu nos tribunais da Paraíba em 1826,
envolvendo uma escrava de trinta anos chamada Gertrudes que vendia frutas e
verduras num tabuleiro no Ponto Cem Réis. A escrava era propriedade de um
sujeito por nome Carlos José da Costa. A moça conseguiu comprar a própria
liberdade pela metade do seu valor, sob condição de prestar serviço ao patrão
por tempo indeterminado para quitar o restante da dívida.
Acontece
que seu proprietário devia até os cabelos da cabeça. Vivia metido em jogo de
baralho e tinha débito até com o padre da paróquia. O frei carmelita João da
Encarnação não quis conversa, queria receber sua parte. Para isso, entrou na
Justiça pedindo o direito de vender a escrava em praça pública para ressarcir a
dívida do Carlos José. A luta na Justiça durou de 1828 a 1842, que já naquela
época a Justiça era lenta e pendente para os poderosos. Uma escrava contra o
Clero. A quitandeira Gertrudes chegou a ser presa, entretanto, não baixou a
cabeça, foi à luta, não se posicionou de forma passiva, mesmo sendo um ser
escravizado numa sociedade altamente preconceituosa.
No
final, Frei João da Encarnação acabou perdendo a causa, e Gertrudes com seus
filhos não tiveram a humilhação de ser vendidos como bichos brutos no mercado.
Venceu Xangô, o orixá da justiça. A religião oficial era a Católica, defendida
pelo Frei. Do lado da escrava, os seus orixás vindos da África, ancestrais
divinizados representando as forças da natureza. Ainda hoje essa briga corre
nos tribunais. Não querem reconhecer a religião dos escravos. Hoje, como ontem,
a luta por liberdade de consciência, pensamento e religião faz parte da própria
luta pela liberdade individual.
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