sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA



Eu e a Ala Ursa
A felicidade que venceu o medo

Adeildo Vieira

Eu devia ter apenas uns quatro anos de idade quando fui abordado, bem na calçada da minha casa, em Itabaiana, por uma Ala Ursa em busca de dinheiro. Era domingo de carnaval e eu estava nos braços de meu pai que, pra minha felicidade, aliviou-me do pânico que me deixou em soluços. Naquela tarde, em plena calçada onde eu repousava minha inocência, nada que envolvia aquele personagem carnavalesco conseguiu ser mais marcante do que seu olhar congelado de urso preto fitando o quarto escuro do meu coração, lá onde morava o meu medo. Este é um daqueles lampejos de lembrança que recortam cenas da nossa infância e as penduram feito quadros na parede desbotada da memória.
O próximo recorte de lembrança envolvendo Ala Ursas projeta meus onze anos, quando, pela primeira vez, corria atrás de um desses bichos até conseguir tocá-lo. Desmistificar o monstro que me assustara na infância foi algo fascinante, uma vitória na batalha contra o medo. Mas devo confessar que atingir essa glória não foi tão difícil assim, pois pra encarar o feito eu me vesti de carnaval. Maizena no cabelo e lança d’água em punho, tive ainda em meu favor um batuque inesquecível que punha o bicho pra dançar junto comigo. O mesmo toque que domesticava o monstro punha o meu medo pra dançar, acordando uma alegria inebriante que jamais sairia do meu coração. Hoje conto Ala Ursas pra dormir, tamanha é a minha afeição por essa alegoria de felicidade popular manifestada nos carnavais. Também recorro às Ala Ursas pra acordar uma infância que soube perder o medo de ser feliz.
Hoje, no carnaval dos meus cinquenta anos, fico encantado ao me deparar com esses personagens cheios de carnaval pelos cantos da cidade que adotei pra foliar meus dias. Eles andam pelas ruas de João Pessoa, mas há alguns anos são convidados pra desfilar na passarela do nosso “carnaval tradição”, alcunha dada ao evento que ainda preza pela alma carnavalesca que se manifesta no coração dos pessoenses.
As Ala Ursas de hoje agregaram novos valores que as tornaram ainda mais peculiares. É um caso em que o avanço do tempo ainda não contaminou essas manifestações com modismos que as descaracterizassem. As Ala Ursas ainda estão cheias de povo, com sua criatividade e seu humor irreverente. Acho, inclusive, que precisam permanecer na rua, lugar onde nasceram e reinam absolutas. Os novos blocos trazem personagens de personalidades bem definidas, produzindo  verdadeiros espetáculos de rua pro deleite dos amantes de um carnaval popular a serviço da felicidade criativa do povo.
Mas o que mais me chama a atenção hoje é a imensa riqueza dos batuques criados para essa nova geração de manifestações carnavalescas.  A agregação de novos instrumentos aliada a uma pluralidade de matrizes percussivas produzem uma complexidade rítmica e timbrística singular e impressionante. Vale a pena ver, de preferência nos bairros onde circulam, pra acompanhá-los ao som de um batuque que nos põe em contato direto com aquela alegria frenética que descobri depois de vencer o medo.

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