Não há monólogos entre nós dois
Adeildo Vieira
Pra
que serve mesmo o artista? Seria ele um mero diletante, untador de creme na tez
de sua vaidade, adorador irreparável de seu próprio umbigo? Estaria um artista
submisso à solidão de seus abismos e refém exclusivo de obscuras introjeções de
seus rompantes de felicidade? Ao
manifestar sua arte, estaria o artista buscando ecos do mundo para soar na sala
vip de si mesmo? Bom, considerando a complexidade do ser humano, tudo isso é
até possível. Mas eu não hesito em afirmar que o artista exercita seu trabalho
numa insustentável necessidade de se expressar, buscando conexões possíveis com
o mundo que investiga. E nesse exercício carrega a humanidade em seus vieses
mais profundos, aqueles que, de tão subjetivos, nos caracterizam como pessoa
humana. Longe de ser solitária, esta é uma labuta de muitas vias, de trato
coletivo.
Negue-se
ao artista o direito ou oportunidade de se manifestar e se estará privando aos
outros de se relacionar com suas ideias, seus conflitos, suas propostas
visionárias de mundo, sua competência ou até absoluta incompetência de
manipular a linguagem que escolheu para se expressar. Construam-se muros que barrem
os cometimentos de quem se preste a este ofício e cerrem-se as possibilidades
da humanidade viver amplamente seus movimentos na busca de avanços.
Nunca
me convidem pra empunhar meu instrumento como se me estivessem prestando um
favor, como se o desejo de entoar minhas canções bastasse a mim mesmo. Faço
canções pro mundo na certeza de que há muitos neste planeta azul que as desejam
ouvir. Reivindico o direito sagrado dos outros interagirem com a linguagem que
escolhi para chacoalhar-lhes os sentimentos e ideias. Reivindico, inclusive, o
direito daqueles que precisam me ouvir para apresentar a sua mais veemente
rejeição a meus propósitos artísticos. Este processo é necessário e só se faz
possível quando se escancaram os portões da vida para os ricos diálogos da
subjetividade humana. E neste traçado de teias de almas, é o artista quem
manipula o tear dos dias. Não fosse assim a humanidade sucumbiria, esmagada sob
as próprias botas, numa lógica cartesiana que nunca compreenderia as
possibilidades de dois mais dois não resultar em quatro. Essa subversão da aritmética é que traz a medida
certa pra nossa existência.
Jamais
me chamem pra manifestar meu sagrado ofício como se estivessem dando doce pra
criança. Repudio quem subjuga, ou mesmo nega, essa valorosa relação do artista
com o seu público ou com o público que deseja conquistar. Não respeito quem
delega às mãos interesseiras do mercantilismo o julgamento sobre o interesse do
público ante qualquer obra de qualquer artista. Não respeito quem acha que, ao
manifestar sua arte, estaria o artista se locupletando desta oportunidade. Em nome
da história reivindico a compreensão de que o mundo precisa dos artistas. De
todos eles.
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