segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Uma crônica severina



Eu não sou um contador de histórias, mas, essa que me contaram em papo de bar merece ir adiante. Começa como começam histórias semelhantes no Nordeste, no sítio distante de tudo, um lugar despovoado, sem quase nenhum rapaz disposto a pegar na enxada e cortar a terra sem futuro. A vendinha com a placa da Itapemirim é onde se compra passagem para “uma vida melhor” ou a desgraceira da cidade grande. “Faz pena o nortista, tão forte e tão bravo, viver como escravo no Norte e no Sul”, cantava o poeta Patativa do Assaré, narrando a realidade do seu Ceará dos anos 60. A rota vicinal do êxodo ainda está aberta neste Nordeste naufragado na miséria conveniente para os “industriais” da seca e do atraso.

Severino se pôs homem, criou bigode e vendeu as vacas para viajar ao Rio de Janeiro. Saiu num dia de São João, os olhos marejando e o “toca fita” rodando a música de Luiz Gonzaga, a “Triste partida”, uma espécie de hino dos imigrantes. No Rio, foi viver com um tio que era porteiro de prédio. É, porque no sudeste eles se aproveitam de nossa força de trabalho e de nossa maior riqueza: o caráter. Paraibano tem fama de honesto, corajoso e fiel.

Foi, pois, com muito orgulho que Severino passou a trabalhar como motorista de um português idoso e sua esposa, também dobrando o cabo da boa esperança. Durante vários anos, Severino mostrou ser um motorista discreto, trabalhador, responsável e educado. O português veio ao Brasil em missão de escarafunchar novos investimentos para seus milhões. Era um homem rico, a fim de ganhar mais dinheiro na ex-colônia, que português ainda vê o Brasil como uma terra boa para explorar pau brasil e acunhar o pau nas indiazinhas.

Deu-se que o empresário patrício caiu doente, e mais enfermo ficou quando sua esposa foi para o andar de cima. Sozinho em terra alheia, já não cobiçava multiplicar sua fortuna. Só queria sobreviver da melhor forma possível. Encontrou no Severino o amigo, enfermeiro e motorista, um anjo da guarda. O velho português pedia para Severino ler com sua leitura de semi-analfabeto: “Quando partiu rumo às índias, Cabral tinha o conhecimento de que aportaria em terras não indicadas nos mapas. Só não imaginava que em vez de fama e riqueza, o destino o jogaria num mar tenebroso, atirando-o contra recifes de desventuras e esquecimento”. Dessa forma se via o português, em leito de enfermo terminal, fim de um sonho lusitano de dominar a colônia e mamar em suas tetas generosas.

Morto o magnata lusitano, Severino procurou o advogado para acertar as contas e voltar para sua cidadezinha, retornar ao sitiozinho na zona rural, comprar umas vaquinhas. “Para compensar tantos sacrifícios desse rapaz tão bondoso, que foi meu filho e meu companheiro no final de minha vida, deixo um terço dos meus bens para Severino”, dizia o testamento do patrão. O protegido da sorte estava rico. Sua parte na herança chegava a cinco milhões de reais. A emoção foi de quem ganhasse um paraíso terrestre. Moço ainda, Severino se viu milionário do dia pra noite.

Pegou o “asa dura” e viajou à Paraíba. Encontrou pela proa o rame-rame da política. Época de eleição na Paraíba é uma espécie de festa popular, feira de votos onde se dá a verdadeira distribuição de renda. Quem tem dinheiro se candidata, compra os votos suficientes e depois vai mamar nos peitos gordos das prefeituras. O novo rico Severino se viu achegado aos prazeres do poder. Resolveu se candidatar a vereador e, quem sabe mais tarde, seria o prefeito. Mudou o nome para Tobi e mandou fazer faixas onde se lia: “Vote em Tobi de Taumatá”.

Está candidato. Percorre todos os dias os casebres de sua região montado em uma pickup 4x4, chapéu de vaqueiro americano e os bolsos cheios de notas de cinco reais que vai distribuindo com desenvoltura, sem a manha do político profissional. Investe pesado para ter um mandato de vereador, espécie de título de nobreza daquelas brenhas. Diz-se disposto a gastar um milhão de reais, orçamento digno de candidato a prefeito. Homem de bom coração, Severino “Tobi” distribui com os seus patrícios pobres a grana do velho português. “Quando for vereador, darei o nome do meu ex-patrão a uma rua”, promete. Talvez se eleja, se antes não comerem sua herança “pelo pé”, que aqui a pobreza é feito cupim de ferro e eleitor também não é fácil.


  

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