Paulo Ró, tempero agridoce na carne do Jaguaribe
Adeildo Vieira
Era domingo, 02 de janeiro de 1977. Chegava eu de
Itabaiana à procura de vida. Mas era a vida quem me procurava, pois eu tinha
que parar justo no bairro de Jaguaribe, bem na frente da casa dos irmãos Pedro
Osmar e Paulo Ró. Naquele momento Pedro viajava muito, mas rapidamente Paulo Ró
se tornaria meu amigo e atiçador das minhas curiosidades sonoras a partir do
repertório musical que ele consumia em casa, cujo som se lançava pro meu
terraço como se fosse uma difusora de uma Babel libertadora.
Anos mais tarde a nossa amizade ganharia substância
por conta da minha militância no MUSICLUBE e Paulo Ró se tornaria meu maior
consultor fonográfico e delineador de minhas preferências musicais. Sua humildade
fez com que se tornasse meu fiel músico, pondo seu genial violão a serviço do
incipiente compositor, cheio de idéias atiçadas por aquele mestre.
Mas é justamente a humildade que agiganta esse
artista, que em nenhum momento se atira nas vitrines da vaidade clamando pelo
reconhecimento de sua genialidade. E digo sem medo que se trata de um gênio.
Não conheço ninguém capaz de entender tão bem tudo o que ouve e que por isso
seja tão capaz de navegar em todas as expressões musicais com tamanha destreza.
Paulo Ró tem a música do mundo dentro de casa e dentro do coração, com isso foi
capaz de montar uma obra sincrética, nos melhores conceitos antropofágicos
traçados por Oswald de Andrade. E tudo isso com uma identidade sólida,
arraigada. As estruturas melódicas e harmônicas criadas por este compositor são
singulares e de rara beleza.
Do tradicional aos caminhos tortuosos do
experimentalismo, da canção ao instrumental, Paulo Ró transita com maestria.
Mas o que ele faz com os ritmos é algo a se estudar. Aliás, os mais estudiosos
penam pra compreender as divisões rítmicas de suas composições, vislumbrando
oportunidades de dividirem com ele o palco. E, por ser matriz dessa
complexidade musical tão fascinante quanto intrigante, este desejo de palco
compartilhado acontecerá em qualquer lugar do mundo onde passar, como já tem
ocorrido em algumas de suas incursões pela Europa.
Não bastasse a densidade estética do que faz, o que
ainda nos surpreende é a sua capacidade de produzir em larga escala, em
verdadeiros arroubos criativos. Paulo Ró já compôs obras inteiras num final de
semana. Foi assim quando musicou poemas do mineiro Ronaldo Claver e também dos
paraibanos Águia Mendes e Lau Siqueira, dentre centenas de outras obras que o
tornam um dos mais produtivos compositores do nosso estado.
Enquanto núcleo flamejante do grupo Jaguaribe Carne,
Paulo Ró é a discussão concreta manifestada na própria obra, o paradigma das
inquietações estéticas, a porção agridoce que ativa a pimenta e o sal, a cabeça
que não nega o coração, o experimento que não nega a tradição. Paulo Ró é
essencial. Como criança que não se contém em anunciar em primeira mão uma boa
nova, eu convido a todos pra conhecerem a obra deste compositor. Sugiro que
iniciem pelo CD “O Jardim dos Animais”, com canções sobre os poemas do poeta
mineiro Ronald Claver. Para isso é só acessar o maravilhoso site musicadaparaiba.bolgspot.com.br.
E depois, é claro, espalhem o que pra muitos ainda se trata de uma boa nova.
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