terça-feira, 25 de setembro de 2012

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA



Os marcianos que me desculpem, mas sou artista da Terra


Certa vez me perguntaram como eu me sentia por ser um “artista da terra”, ao que respondi com clareza: Me sinto terreno! Sim, sou um artista da Terra, até porque não tenho pretensões de manifestar minha arte em outro planeta. Bom, claro que sei o verdadeiro sentido de quem fez aquela pergunta, mas vale problematizar um pouco a resposta pra que sintam que nosso lugar como artista é o mundo, apesar da importância de carregar nos sentidos o cheiro da terra que nos pariu. O problema é que, na nossa realidade, este termo carrega em seu conteúdo uma conotação de limitação territorial que finca o artista em sua terra natal, associando-o diretamente a outra expressão popular, a de que santo de casa não faz milagres. Ou seja, “artista da terra” é aquele que, mesmo tendo sede de mundo, vive de amargar os limites impostos a si mesmo, dando voltas no quintal de casa.
O artista que volta à sua terra consagrado em outras paragens não é mais “artista da terra”, pois “artista da terra” não se consagra. Este tem que carregar o estandarte de uma guerra perdida, marchando em coro com seus pares pelas ruas em busca de um reconhecimento negado pela falta de um atestado de competência emitido por centros de consagração, geralmente muito longe de casa. Aliás, quanto mais longe, melhor.
Mantendo os pés no chão da nossa alma, precisamos mesmo é redimensionar essa compreensão pelo viés da grandeza humana. Somos grandes, porque somos gente. E essa condição singular torna cada um de nós único em qualquer lugar do planeta. O artista do quintal da minha casa não se torna melhor se manifestar sua arte nas ruas de Londres. Lá ele é artista estrangeiro, mesmo assim não deverá ser considerado mais importante do que os artistas que se banham no Tâmisa. O necessário mesmo é reconhecer que todos são essenciais para a beleza do mundo. O que não pode é alguém que não ama a si próprio transformar o artista de sua cidade num espelho. O que se vê nele refletida é a imagem de uma beleza negada, de um fracasso crônico.
O que eu defendo é que o artista sempre reconheça a  lama que sujou seus pés nos primeiros passos, mas que na sua labuta se entregue aos quatro elementos da natureza, incluindo aí, evidentemente, o elemento terra. Ao navegar o dissabor de seus naufrágios, poder eventualmente gritar: arte à vista! Saber que sua arte precisa ser plantada em terras adubadas nos corações, aqui e alhures, pra fazer almas crescerem e florescerem, assim como se planta o trigo em terra bruta pra alimentar a máquina motora da humanidade. Saber da vida que pulsa sob sete palmos de arte, do húmus que se faz poesia no minhocário das idéias. Ser artista da terra é morar no barro que foi moldado por Mestre Vitalino, é soar na pedra da loca de Zabé, é atracar no porto de Liverpool. É saber de tudo isso sem perder o caminho de volta pra casa.
Com muito orgulho nasci na Paraíba e sou artista da Terra. E por isso mesmo tenho pés estradeiros e vivo de enterrar preconceitos. Agora, já que insistem em tratar nossa cena como se fora questão fundiária e com o intuito de cercar nosso minifúndio, negando água e pasto aos nossos sonhos, somos obrigados a exigir reforma agrária nas artes. Vamos fortalecer nosso Movimento dos Sem Terra nos Pés, atacando os latifúndios e seu imenso poder de cultivar a mediocridade em mentes e corações. Vamos invadir as terras improdutivas. São milhares de hectares. 

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