Sabe aquela besteira de fazer
retrospectiva de fim de ano? Pois. Resolvi refletir sobre o que não aconteceu.
Puxando do volume morto das deslembranças, mostrarei para meus compadres velhos
como gastei, ou deixe de consumir esse pedaço do Bilhete Único que é a vida
bela e terceirizada, em sua parte 2015. Aliás, haverei de apenas comentar como
experimentei os choques das coisas que não aconteceram, e por não terem se
efetuado, emprestaram grande significação para este vivente insignificante.
Mirando nas minhas desacontecências, é
de citar primeiramente a mais importante: não chegou a Grande Hora, a viagem
causadora de tantos surtos psíquicos nos que não sabem esperar pela grande
viagem. Não foi o ano do epílogo desta grande personagem da comédia humana. Pegando
o fio dessa meada, também não foi o ano em que meti a faca no bucho de algum
perverso irmão das almas safado ou não abri processo contra aquela vaca
vigarista que me ludibriou. “A vida de um ser humano, entre outros seres
humanos, é impossível. O que vemos é apenas milagre; salvo melhor raciocínio”,
ponderou o grande João Guimarães Rosa. Portanto, foi o ano em que sobrevivi
dividindo o planeta com patifes e canalhas de toda espécie, sem radicalizar.
Não dei à luz meu livrinho de poesias,
o “Laranja Romã”, considerado por mim mesmo e por meu crítico leitor Ameba como
a melhor safra da minha bibliografia trovadora. Culpa do editor, um sujeito
avaro e desconfiado que só trabalha com money
à vista.
Não li o romance “Fup”, do escritor
americano Jom Dodge, lançado em 1983. “Fup é um
daqueles livros que, no lugar de leitores, conquista devotos”, disse
Marçal Aquino, prefaciando a obra. Sou devoto de “Cem anos de solidão”, Gabriel
Garcia Marquez, e queria dedicar meu afeto espiritual a “Fup”, mas não deu em
2015. Aceito como presente de fim de ano. Em compensação, li uns 30 livros em
2015 que me deram muitas ideias das nossas imensas possibilidades enquanto
seres pensantes e mutantes.
Afinal, não aconteceram tantas coisas
iniquas, impróprias, indecentes e improcedentes que 2015 fica sendo o ano em
que escapamos ilesos, aqui acolá com os senões costumeiros que fazem parte do
jogo do rato, esse maldito esquema que temos que jogar o tempo todo.
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