segunda-feira, 2 de novembro de 2015

A morte é um vício muito antigo

Homenagem póstuma ao meu dileto amigo, poeta e radialista comunitário Hugo Tavares, morto há dois meses. Na foto, ele me entrevista para a Rádio Comunitária Santa Cruz, no Rio Grande do Norte. 


Descubro que esse blog está agonizando. Antes, batia fácil a casa dos três dígitos de acessos por dia. Hoje, mal chega aos 30 leitores diários. Vou tentando postar ainda algumas falácias desprovidas de talento, em respeito a essa meia dúzia de compadres e comadres que ainda clicam na Toca.

Hoje, 2 de novembro, eu deveria escrever sobre os mortos. Nesse ponto eu sou pego em flagrante delito de ignorância. Não sei nada de mortos que ainda não finalizei. Só recordo de uma puta frase de Gabriel Garcia Márquez: “Morrer é não estar nunca mais com os amigos”. Uns caras que simplesmente despareceram. Se morreram, não mandaram notícias do óbito. Onde andarão o Porco, Dudé, Tapioca, Gonçalo, Braguinha? Gonçalo e Dudé eu sei que morreram ainda moços, de aguardente. Os dois eram irmãos. Foguetão eu vi outro dia, cadavérico, com o famoso pé na cova. Dedé Federal também se foi. Eu mesmo tou balançando mais do que santo no andor.

Um amigo verdadeiro é aquele personagem de muitas histórias, a maioria vergonhosas, colecionadas pela vida afora. Tenho um compadre velho que mora no Rio de Janeiro há mais de 30 anos. Reencontrei o bicho no Facebook. A gente fica trocando recordações do tempo de juventude, umas paradas às vezes brutais do tempo em que éramos uns sujeitos bostíferos. Ainda somos, afinal sou um cara ser humano. Nas horas vagas, que são muitas, fico a imaginar onde está hoje meu compadre Garcia, o cara que me ensinou a marcar por zona e me posicionar em campo, um dos melhores boleiros que vi jogar e com quem joguei. Zé Santana, onde andará? Esse Zé não botava muita fé no meu futebol, mas compartilhava da minha insegurança, dentro e fora de campo. Afinal, éramos uns caras bostíferos, como todo adolescente que se despreza.

Já não andamos com a faca nos dentes e sangue nos olhos. Vamos deixando nossas forças e nossa fé na bacia das almas, já no apagar das luzes, pra ficar nos chavões do futebol. Hoje, nem posso mais ficar de joelhos para a veneração às divindades que jamais me afiançaram. Quase sem mobilidade por causa da artrose, perdi o prazo, a ocasião, o tesão, a devoção. Antes um belo e respeitável felino, virei um mixuruca leão de bibelô. Não aprontamos mais aquele salseiro dentro da área, perdemos o gol mais ou menos bisonhamente. Poderíamos ter liquidado a partida, mas é certo que a partida nos liquidará, botando ponto final no clássico. O gol do epílogo é um gol por cobertura, com requintes de crueldade, aos oito segundos para terminar o segundo tempo. Ainda por cima, o centroavante abriu a caixa de ferramentas e pisou deslealmente no meu pé. 

Amigo velho, se eu morrer antes de você, declame ao pé da cova esse poema de Solda, escrito para o poeta Paulo Leminski:

vai
meu amigo
desta vez
não vou contigo

a morte
é um vício
muito antigo
só que nunca
aconteceu
comigo

pode ir
que eu não ligo
eu fico por aqui
separando
tijolo do trigo


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