Fui ao médico me queixar de dores no peito, mal estar e ânsia de
vômito. O doutor examinou tudo, mediu a pressão, bateu bombo na barriga,
escutou a caixa preta, buliu no armazém de catarro e decretou: “é emocional”.
Na minha cabeça eu faço e desfaço as contas de minhas neuras. Não
acredito ainda que sou um sujeito neurastênico. Vou para a esquina e fico
esperando minha sombra que vem, manquitolando, indecisa como sempre. A golpes
de hesitação, explode em mim um raio de luz negra nas bordas do meu
subconsciente. Fica aquela impressão de que ainda vivo sob a bandeira do medo,
da raiva e da descompaixão.
O que fazer? Buscar tratamentos holísticos? Remar para as bordas
de outro mar de serenidade, depois das águas turvas de sessenta anos de sol
posto e sepulcro caiado? Minhas magras razões espreitam pela janela do ônibus
fantasma que me leva ao abaixamento. Cada um carrega sua tragédia escondida,
uma estranha obrigação de dedicar parte de sua vida aos pequenos, idiotas e humilhantes
embates contra tristes figuras que nem valeriam um olhar de desprezo.
Na rua, o silêncio dos nada inocentes. Na esquina, continuo a
esperar minha sombra meio martirizada, refletindo esses instintos cruéis que a
gente teima em conservar, apesar da dor cruciante no peito e o desejo de golfo
desopressor.
Agora sei que os meus opostos estão no mesmo canto do ringue que
eu. Não somos opositores, mas escravos e mártires da mesma hostilidade. Por
força dos meus sessenta anos, obrigo-me a relevar e absolver essa canalha que
me olha com ar de ratos nervosos, emboscados na mesma esquina. Pelo pouco
desamor que se fez tanto tóxico nas minhas entranhas, levanto um brinde
peçonhento a essas tristes figuras que, como eu, são apenas resíduos amargos de
uma humanidade sem destino e sem futuro.
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