Tenho aqui uma pilha de livros para ler. Estou organizando a biblioteca, separando os livros por temática. Como tem poeta nesse Brasil velho de guerra! Devemos ter mais poetas do que leitores, conforme levantamento feito pelo ilustrado Maciel Caju. Quanto à qualidade dos trabalhos, vai desde a notação clássica de sonetos de razoáveis a péssimos, até cordéis estilosos, malucos. Tem os ótimos, como o Lau Siqueira, de quem vou receber seu último alfarrábio hoje à noite, na Usina Energisa. “Livro arbítrio” é o título da última safra poética desse gaúcho paraibano, artista da palavra de grande vigor e habilidade.
Os poetas vivem como podem. Soube que na avenida Paulista,
em São Paulo, batalham lado a lado dois poetas meio malucos. Um deles, Erinaldo
Melo, é da Paraíba e saiu daqui com seus cordéis, pra imitar a saga do “homem
que virou suco”, personagem do filme de João Batista de Andrade, com José Dumont. Erinaldo é autor de versos como
este:
Cai a tarde morena,
I as ave piuu.. age
Encontra ‘seda amena,
Vive camaradagi;
Sabiá tomem é assim,
Sonhando desde cedim.
A noite cala imege
Silençu di istrela,
Lua no céu dá trela;
Dotô num mi inveje.
Esse “zé da Luz” enviesado quer ser reconhecido pelo seu
empreendimento literário nas calçadas de São Paulo. Seu irmão de arte e
extravagância, poeta Samuel Salles, não chegou ainda ao estágio industrial de
reprodução dos seus versos, mas é vizinho de calçada. Na Avenida Paulista, ele
escreve os poemas em cartolina, cola no chão com fita adesiva e bota seu chapéu
ao lado. Os que passam, alguns jogam moedas, outros conversam com o poeta. Ele
conta que virou poeta depois de levar meia dúzia de chifres de uma ingrata
morena. Dessa dor amorosa nasceu o pendor para a poesia. Sua trova fraseada
fala de amor perdido, arruinado pelas intempéries do caráter humano:
Se eu pudesse reinventar o amor
ele seria incontrolável
como o ímpeto de um tufão
capaz de varrer os mares.
Seria absoluto como o talento de Mozart
e seria grande como todas as galáxias reunidas.
Essa poesia de rua é quase assim uma poética do avesso, que
informa a presença inquietante do poeta periférico no mundo, também a postura e
a personalidade do diferente, do que incomoda o status quo, porque não se encaixa nem no processo industrial, social
e político, tampouco agrada aos críticos com seu discurso lunático. E o que é a
poesia senão o registro do desconforme e a expressão do insólito?
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