segunda-feira, 2 de maio de 2011

A Bíblia profetizou o “boom” da construção civil


 

A bola da vez do capitalismo incipiente brasileiro é o mercado da construção civil. Na velha João Pessoa, capital da Paraíba, crescem os espigões gaiatos, a zombar de nossa qualidade de vida.
 
No labirinto oposto a essa guerra de conquista dos espaços urbanos, resistem proprietários de casas localizadas em áreas nobres ou não, alcançadas pelo ritmo frenético da construção de edifícios.
 
Aos 76 anos, a velhinha vivia alegre em sua casinha no bairro Bancários. Depois da morte do marido, ela ficou encurralada pelos filhos e pelos corretores. Uns, de olho gordo na herança, outros querendo cumprir sua agenda profissional que exige mais e mais terrenos para os espigões gaiatos (vide peça teatral de Carlos Cartaxo).
 
Em ritmo constante e intenso, a construção civil não tem paciência de esperar a decisão da velhinha. Os filhos, raposas de olhos cobiçosos nas uvas, babam de sofreguidão. (Aqui, um reparo: esta raposa vegetariana é a da alegoria, mas que não deixa de ser uma criatura predadora).
 
A velhinha concluiu que deseja continuar cuidando do seu jardinzinho, sem se incomodar com a asfixia dos prédios em volta de sua casa. Os dois espaços simultâneos não podem conviver. A velhinha sabe que tem seus dias contados, pelo menos os dias de mulher suburbana, de vida tranquila e venturosa. O confronto final é iminente. O conflito é familiar e empresarial, com a força de não sei quantos milhões de investimentos vindos de não sei (mas desconfio) que espécie de negocistas, na construção da selva de pedra e desconstrução das características inerentes ao urbanismo sadio.
 
A velhinha gosta de ter as pessoas à sua volta. Reclama quando os filhos não aparecem para tomar café e relembrar o falecido. Os parentes não querem saber do seu modo de vida. Acham até que sua persistência em não vender a casa é uma desfeita. Alguns já andam consultando condições de contrato em asilos para idosos. O apoio moral da velhinha está obsoleto. A turma quer apoio financeiro, o mercado quer espaço.
 
Essa cultura do dinheiro já está na epiderme das pessoas. Uns seis ou sete não se adaptam, viram figuras exóticas. A velhinha e algumas amigas se reúnem de vez em quando para botar a prosa em dia, rezar e ler a Bíblia. São como transgressores, anticonvencionais. Outro dia uma delas descobriu no livro de Miquéias, capítulo sete, versículo dois: “Chegará o dia em que os teus casebres se transformarão em edifícios. Naquele dia, ficarás fora da lei”. Comoveram-se ao perceber que são figuras de outros tempos, batendo de frente com a “força da grana que destrói coisas belas”.
 
Na contramão, a velhinha teme ser vista como uma mãe desnaturada, maluca de rasgar dinheiro. Mas ela continua insistindo em não querer ser apenas um “meio” do projeto de vida dos outros.

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