Rosângela Veríssimo: "Nasci pra ser águia" |
O caso se deu na capital da Parahyba do Norte, numa
dessas academias de letras formadas por pretensos intelectuais que querem foco
em si, para brilhar pelo menos entre eles. Geralmente, trata-se de um amontoado
de babacas, uma espécie de sociedade dos poetas putos porque ninguém reconhece
sua genialidade, ou associação dos escritores de meia idade, meia fama, meio
quilate e meia boca. Coisas do tipo, intelectuais respeitadíssimos e
respeitadores das normas que regem a sociedade, homens e mulheres probos,
enfim, grêmios que confirmam o que garantiu Albert Einstein: “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, no que
respeita ao universo, ainda não adquiri a certeza absoluta.”
Para prosseguir e sem perder o pique na citação de Google, Rudyard
Kipling disse que “a mulher mais idiota pode dominar um sábio. Mas é preciso
uma mulher extremamente sábia para dominar um idiota.” Aqui não se trata de uma
mulher idiota, e sim de uma senhora muito inteligente que mora na cidade de
Mari, casada com um homem de alto gabarito, ela sendo uma dessas senhoras que
apreciam brilhar nas rodas sociais com sua elegância e vivacidade. Gosta de
compor música, de brincar carnaval e rabiscar poemas. Apresento-vos minha
comadre Rosângela Veríssimo, a poeta que um dia ingressou numa dessas
academias, com suas boas maneiras e seu jeito franco de ser. De cara, recebeu a
simpatia dos simpáticos e o olhar enviesado dos reacionários, ou dos acadêmicos
mais invejosos. Aquela mulher exuberante e comunicativa, de certa forma,
apagava um pouco a vela bruxuleante de alguns colegas. “Eu nasci para ser
águia”, costuma dizer Rosângela, atraindo a inveja dos corujas.
Foi numa sessão de declamação de poemas que Rosângela recitou seu
trabalho intitulado “Profano”:
Me ame, mas me desrespeite
Me deite e deixe o seu corpo
Arrancar
do meu peito
Aquele grito contido
De tão reprimido.
Faz do chão nosso leito
E sem preconceito
Destrona a madona
E te deleites
Ao melhor do prazer.
Ficará entre nós
Todo bom despudor
Desse jogo impuro.
Se queres assim,
Eu, cá por mim
Não vejo pecado
No desejo carnal.
A lei: vale tudo
No amor conjugal.
Explorar emoções
Dentro do casamento
Também é sensual
Trata bem deste amor
Sempre tão maltratado
É porque o profano
Não macula o sagrado.
É insípido o puro.
Vale ousar no tempero
E respeito demais
Sempre é exagero.
És o meu convidado
A quebrar esse gelo.
A poesia foi dedicada ao marido, que ouviu, orgulhoso, a declamação de
Rosângela. No entanto, as madames e os varões, a maioria, sentiram uns
comichões íntimos. Uns, de desejo, outros, de pruridos moralistas. Naquela
“casa de arte” jamais se viu tamanha ousadia. O formigamento deu asas ao
secreto desejo de cortar as asinhas de quem não trilha pelo estabelecido e
consensual. A poesia foi considerada imoral e proibida de constar nos anais da
casa. A poeta foi censurada oficialmente e informada de que não poderia
declamar poemas com tais e tão claros conteúdos eróticos, em respeito à tradicional
família, aos bons costumes e blá blá blá. “Mandei aquele povo à merda e nunca
mais voltei lá”, confessa Rosângela.
Minha amiga Rosângela deixou de ser imortal, mas continua pop. Ser pop é
diferente de ser popular. Ser pop é ser mais você, é ser confiante no seu valor
e nas suas limitações, mas sempre procurando ocupar seu lugar no mundo com
simpatia e coragem, sem dar bola para os banais. Toda mulher veemente e
expressiva estará sempre se achando amante de Zeus Pai Todo-Poderoso, e dando
as cartas. Artistas como Rosângela estão sempre dispostas a rezar com suas mãos
postas, confessando todos os seus pecados e a glória de cada um deles, como fez
no poema censurado pelos “imortais” de meia tigela.
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