Febre intermitente e dor de cabeça
constante nesses últimos dias. Sucumbindo às flagelações da doença,
dorme-se mal, aos pedaços. Cada trecho de sono, um pesadelo qualquer para
adubar a agonia.
Hoje, acordei da última fatia de
adormecimento agoniado lembrando de uma quadrinha que compus no torpor. Estava
eu numa espécie de loja decadente, entre objetos velhos, empoeirados. Eu estava
procurando um presente para alguém. A dona do bazar, uma senhora vestida de
negro, cabelos brancos e ar digno, me aconselha: “A vida te dará poucos
presentes; se queres uma vida, é preciso que roubes”.
Daí meu forte impulso de sequestrar
um objeto qualquer daquele lugar tão sem nada. Umas bolsas de mulher fora de
moda, vidros de perfumes vazios, caixinhas de música sem bailarina e sem som,
revistas antigas. Lá fora, um esgoto a céu aberto. Da janela se via um cão
farejando vermes na lama.
Saí dali. Lá fora, a unidade da
miséria. Casas decadentes, ruas tortas, gente derrotada e agonizante. Entrei
numa taberna escura e escrevi no caderninho de notas que havia roubado da lojinha
desguarnecida:
Ao fim e ao cabo
O pão da missa
É o mesmo pão
Do pobre diabo?
Outros versos esqueci. Depois, me
misturei entre o populacho doente e acordei suado.
Meu virulento estado talvez esteja no
seu apogeu. Geralmente, esses ataques duram uma semana completa. Pelo menos não
é gripe, nem meningite ou dengue. É só aquela sensação de que você não presta
pra nada, um inútil sem condições de raciocinar, de ler, ver TV ou ouvir
música. Nos delírios da febre, pode ser que saia uma quadrinha ou inspiração
qualquer nesses sonhos lamentáveis das letargias. Prostração, cansaço, noites
em claro, até dá vontade de ir ao médico, mas, pra que? O diagnóstico é o de
sempre: virose. Eu, sendo o doutor, inventaria outro nome, pra despistar.
Criaria um nome em latim para essa doença comum. Todo mundo agora, no mundo da
medicina, é viroseologista. Especialista em virose, uma doença amplamente
abrangente. O remédio é o mesmo: repouso e hidratação. O que fazer com o cérebro
que virou papa, ninguém sabe. Não desejo a ninguém, mas se quiserem saber o que
é bom pra tosse...
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