Meu
amigo e meu irmão Trajano era o técnico do time Mangueira, do sítio
Entroncamento no município de Cruz do Espírito Santo, onde trabalhei na estação
ferroviária nos anos 1990. Era uma pequena confraria de ferroviários que bebiam
juntos, trabalhavam juntos e moravam juntos. O time era uma desgraceira só.
Peladeiros matutos. Uma linha dura como o governo da ditadura, meio campo lerdo
como gato de venda e um ataque cardíaco de tão ruim, ineficiente. Mas isso não
era capaz de afligir o comandante do time, porque na retaguarda tinha o juiz
Bodeiro, também ferroviário, cuja função era descontar nossa ruindade no apito.
Não tinha pra ninguém. A Mangueira ganhava todas dentro de casa.
Aliás,
nossa “casa” era um campo mais irregular do que o gol do Flamerda contra o Vice
Vasco, um descampado morro acima onde as vacas pastavam. Foi daí que surgiu o
famoso “drible da vaca”, quando o atleta tinha que se livrar de um boi, bezerro
ou vaquinha. Só que, no nosso campo, a vaca jamais ia pro brejo. A gente sempre
jogava descendo, isto é, nosso lado do campo era invariavelmente o de cima. Na
lei de Bodeiro, a regra era clara: o dono da casa joga em cima e não tem
revezamento. O visitante começava e terminava as partidas, quando terminava,
subindo morro acima.
Eu
era o lateral direito, camisa 2 conhecido por Jacaré. Meu lado do campo era uma
colina que eu descia na banguela e voltava meia hora depois, fazendo da língua
gravata. A rigor, só apoiava o time uma vez. Ficava por lá mesmo, era
substituído. Nossos adversários, invariavelmente, não tinham o gostinho de
tirar o zero do placar. Quando conseguiam subir o morro e vazar nosso goleiro,
que por sinal era meio míope, o juiz Bodeiro inventava uma irregularidade.
Só
houve uma vez em que perdemos de goleada. Trajano brigou com Bodeiro por causa
de um jogo de bozó, logo no domingo em que iríamos enfrentar o Flamengo da
Fazenda Onça. O peste do Bodeiro começou por botar a gente jogando morro acima,
uma covardia com quem não aguentava esse esforço, por não ter costume. Depois,
expulsou nosso melhor jogador, o meia Batata, e deixou o jogo correr frouxo. O
escore foi contundente: Mangueira 0 X Flamengo da Onça 12.
O
Mangueira Futebol Clube participou do campeonato amador de Cruz do Espírito
Santo em 1991. Contabilizou 19 partidas, 19 derrotas, apenas 4 gols marcados e
88 sofridos. O time da Mangueira era escalado assim, no velho esquema 4-2-4,
pelo técnico Trajano: Catatau, Jacaré, Enxuga o Rato, Barata e Bolo Fofo;
Batata e Sardinha; Mão de Onça, Papagaio, Bonito e Piaba. O dono das camisas
era Zé de Biu de Nena.
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