sexta-feira, 4 de abril de 2014

Jabá é bom com macaxeira

Adeildo Vieira

Ariano Suassuna conta uma história de quando ele era menino que viu um filme com os ingleses metendo o pau nos indianos, botando pra lascar naquele povo meio nu, moreno e esquisito. Ele ficou torcendo pelos ingleses. Depois que soube da verdadeira história da dominação inglesa na Índia, entendeu o mal que os ingleses estavam fazendo aos indianos. Desde então, passou a defender a cultura do seu povo nordestino. Virou um chato, mesmo com toda sua verve e capacidade de argumentação. Querem botar o homem até na prateleira do atraso, porque defende nossa música, por exemplo, da dominação calhorda feita pela indústria da cultura de massa.

Isso para falar aqui de um negócio chamado jabá, coisa comum nas rádios comerciais, responsável pelo sucesso repentino de imundícies tipo “lepo lepo” e afins. O jabá é uma manobra já institucionalizada no Brasil. O representante da gravadora chega na rádio, reúne os disc-jockey e oferece determinado valor para espalhar aquela tal música na programação. Tem rádio que dá até nota fiscal do “jabá”. Bombardeado pela irradiação constante daquele excreto musical, e sem opção de outro tipo, o ouvinte acaba por absorver o produto de esgoto. Não sei se foi Adeildo Vieira que contou esse episódio: um radialista disse que o tipo de música feita por Adeildo não vende, por isso as rádios não tocam. O compositor itabaianense respondeu: “Você já vendeu alguma coisa para Portugal?” Ele respondeu que não, daí Adeildo matou a pau: “Pois eu já vendi, para não falar em diversos países da África onde minha música toca”. O nobre Adeildo não é de humilhar ninguém, que ele é um sujeito digno e íntegro, mas nessa hora falou pro carinha da rádio: “Pois, meu amigo, eu vendo minha música em euro, que vale quase três vezes nosso dinheiro”.

Não sei se é lenda essa história com Adeildo Vieira, mas comigo se passou algo quase semelhante numa rádio comunitária da cidadezinha onde esse grande mestre compositor e cantor veio ao mundo. Levei um projeto para divulgar os artistas locais na dita rádio, no que foi apresentada logo a conta do jabá: cem reais por quatro horas de programa por mês. Tive que pagar para tocar Adeildo Vieira em sua própria terra natal. Satisfiz o preço do jabá para rodar também os discos de Paulo Ró, Pedro Osmar, Cátia de França e outros de reputação internacional como o próprio Sivuca. Pouco tempo depois, sem capital de giro, girei os calcanhares e me mandei da rádio que ignora o músico que leva o nome do Estado para o mundo.

Vergonha e desgosto é presenciar que nossa juventude está perdendo o bonde da história. Ninguém se liga à cultura e à tradição, à qualidade e ao bom gosto. Perguntei a uma professora da cidade se ela sabia quem é Adeildo Vieira. “É da Globo?”, devolveu.




Nenhum comentário:

Postar um comentário