O canalha Ameba escreveu
no seu Twitter: “Por um mundo sem parente te visitando aos domingos”. Ele acha
um pé no saco receber parentes no dia em que você se programou para ficar em
casa com aquele calção folgado, tomando sua cervejinha e vendo futebol na TV.
Isto porque o intolerante protozoário pensa que jamais vai envelhecer, ficar
sozinho em casa esperando a visita dos filhos. E não venha com discurso de
“melhor idade” que isso é exceção. Geralmente a gente envelhece mal. Raro quem envelhece
ativamente, enfrentando a terceira idade com dinamismo.
Minha mãezinha vai
completar 80 anos em dezembro. Fui visitar meus pais ontem. Nossas visitas são
acontecimentos sociais e culturais na vidinha dos meus genitores. O pai está
sedentário, o cérebro reduziu as atividades, mas a memória tinindo. Não perde a
capacidade de memorização e raciocínio, apesar de acometido de acidente
vascular cerebral. Enquanto seu Arnaud
abusa de estimular os neurônios com sua memória prodigiosa, dona Iraci, sua
esposa, anda esquecendo as chaves, deixando o arroz queimar no fogo ou se
esforçando para lembrar o nome do neto mais velho. São os efeitos do tempo. Eu
mesmo já ando confuso. Meus 82 bilhões de neurônios não se entendem entre si.
Perco as datas, fico com aquela impressão de que está faltando alguma coisa nos
bolsos quando saio de casa, tenho pequenos colapsos cardíacos pensando que
esqueci os documentos, paro na estrada para conferir se está tudo no meu
saquinho de carregar as tralhas. Com o pensamento voltado para outras coisas,
outro dia esqueci de vestir as calças. Constrangedor. Isso
tem cara de ser aquela doença que as pessoas começam a esquecer tudo... como é
mesmo o nome?
--- É a tal PVC (porra da
velhice chegando) – esclarece Ameba.
Ontem, fiquei sabendo que
minha mãezinha foi ao médico se queixar dos esquecimentos. Ela não me disse
diretamente, mas o pai entregou o jogo. Foi na hora dele tomar os remédios.
Chamou sua madame:
--- Iraci, lembra das três
palavrinhas?
E ela, na bucha:
--- Girafa, bicicleta e
guarda-roupa.
Não entendi! Ele explicou:
o médico recomendou um treino para combater a amnésia. Decorar essas três
palavrinhas que não têm nenhuma relação entre si e pronunciar de vez em quando.
Meu velho pai, malandro
estudado, também trata de perder a memória providencialmente, para evitar
antigas discussões do casal. Levei um CD de Alaíde Costa, cantora de bossa
nova. Ela aproveitou para provocar o marido:
--- Arnaud, lembras de uma
namorada tua com o nome dessa cantora?
Ele encerrou a conversa inconveniente:
--- Lembro não.
Uma dose de esquecimento
na hora certa sempre é bom.
Eu, avanço na meia idade,
com anseios de terceira. Idade. Desconfio que preciso de ginástica cerebral.
Cheguei em casa, tentei lembrar das palavras, não consegui. Liguei para minha
mãe, ela repetiu imediatamente:
--- Girafa, bicicleta e
guarda-roupa.
Os cérebros de papelão
dirão que isso prova minha definitiva senilidade.
Sim, antes que me esqueça:
a comercialização da Páscoa chegou ao cúmulo. O filho de Ameba perguntou:
--- Pai, Jesus era um
coelho?
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