quinta-feira, 13 de março de 2014

ECOS DO CARNAVAL


A figurante da escola de samba desfilando sua decadência pelas ruas mal iluminadas e cheias de decibéis

O carnaval deste ano foi bárbaro, como se dizia antigamente, e bote antigamente nisso! Pena que o velho Leão não deu as caras na folia por motivo superior, ou inferior, qual seja: liseu e falta de saúde. Desde menino, eu ficava encantado com a la ursa, o boi, o papangu, o índio, a troça de mascarados. Isso acabou. Pelo menos está marginalizado, desacreditado, quase excluído da brincadeira, conforme informam os foliões modernos.  Um deles, meu xará por nome Fábio Araújo, foi taxativo: não existe mais tradição porque a sociedade está aculturada. Vivemos em constantes modificações e esse carnaval tradição de que falam não tem em lugar nenhum”. O jovem simplesmente acha que a cultura, o legado, a memória de um povo é cocô de louro, e quem estiver incomodado com os paredões, mude-se. É o fenômeno da aculturação, segundo ele.

Seguindo na trilha da tese do Fábio Araújo, é certo que o mundo todo vive essa mistura cultural. No caso da música, dança e outras formas de arte, o que se tem é mesmo uma aculturação, que é a dominação de uma cultura sobre a outra por meio do controle da mídia, constituindo-se um processo de sujeição social. Um grande esquema empresarial de mídia impõe o gosto musical, a dança e tudo o mais. Trata-se de uma imposição cultural, e isso acontece com o carnaval, com o forró e todas as demais manifestações artísticas nordestinas.  Geralmente, nesses casos, o grupo dominado tem sua cultura vilipendiada pelo grupo dominador.

Entretanto, toda sujeição tem resistência. Nem todo mundo tem a cabeça vazia para aceitar a dominação cultural. O mestre Adeildo Vieira testemunhou: “Estive no domingo de carnaval em Itabaiana. Tive que sair correndo do barulho e da absurda desorganização. Os paredões estão vencendo a lógica popular do nosso carnaval. Me senti órfão da alegria carnavalesca da minha terra. Sim, ela está na UTI. Precisamos ajudá-la.”

Quem entende de cultura é quem vive para conservar a tradição, como Margareth Lígia Bandeira, que lembrou: “O TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) feito na campanha do poeta Jessier contra os paredões parece que deixou de valer. Este ano, o MP liberou os paredões, desde que em circulação. Donos dessas máquinas juntaram 10 pessoas, registraram como "bloco" e o resultado foi paredões à vontade, circulando e parados, invadindo blocos de bois, caboclinhos e escolas de samba.

Por outro lado, o carnaval foi pródigo em cenas do folclore político. No meio dos trios e dos paredões, os políticos acenavam para o povão, davam beijinhos, abraços e notas de cinco reais. O filho da ex-prefeita Dida, Sinval, pré-candidato a prefeito, foi abraçado e aclamado pelos foliões já saudosos das delícias e gozos de sua gestão. O prefeito Toinho Meu Querido pagou, ou prometeu pagar, um trio elétrico para o bloco da Saudade e ajudar no cachê da orquestra. Na terça-feira, “o prefeito esfarrapou”, segundo um membro do bloco, e Sinval aproveitou a deixa para ganhar do seu adversário. Mandou um trio elétrico maior e mais moderno. Quando Toinho viu aquilo, ficou muito macho, chamou o povo do bloco e foi taxativo:

--- Se a orquestra subir nesse trio de Sinval, eu não pago.

Resultado: a orquestra não subiu no trio elétrico de Sinval, desfilou no chão, no meio dos paredões e paredinhas. De certa forma, foi uma volta ao passado, porque a tradição era a orquestra sair junto com os foliões, pisando a terra quente do frevo e do samba rasgado. Mas, teve gente que quase rasga o fiofó de raiva.


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