A figurante da escola de samba desfilando sua decadência pelas ruas mal iluminadas e cheias de decibéis |
O carnaval deste ano foi bárbaro, como
se dizia antigamente, e bote antigamente nisso! Pena que o velho Leão não deu
as caras na folia por motivo superior, ou inferior, qual seja: liseu e falta de
saúde. Desde menino, eu ficava encantado com a la ursa, o boi, o papangu, o
índio, a troça de mascarados. Isso acabou. Pelo menos está marginalizado,
desacreditado, quase excluído da brincadeira, conforme informam os foliões modernos. Um deles, meu xará por nome
Fábio Araújo, foi taxativo: não existe mais tradição porque a sociedade está
aculturada. Vivemos em constantes modificações e esse carnaval tradição de que
falam não tem em lugar nenhum”. O jovem simplesmente acha que a cultura, o
legado, a memória de um povo é cocô de louro, e quem estiver incomodado com os
paredões, mude-se. É o fenômeno da aculturação, segundo ele.
Seguindo na trilha da tese do Fábio
Araújo, é certo que o mundo todo vive essa mistura cultural. No caso da música,
dança e outras formas de arte, o que se tem é mesmo uma aculturação, que é a
dominação de uma cultura sobre a outra por meio do controle da mídia,
constituindo-se um processo de sujeição social. Um grande esquema empresarial
de mídia impõe o gosto musical, a dança e tudo o mais. Trata-se de uma
imposição cultural, e isso acontece com o carnaval, com o forró e todas as
demais manifestações artísticas nordestinas.
Geralmente, nesses casos, o grupo dominado tem sua cultura vilipendiada
pelo grupo dominador.
Entretanto, toda sujeição tem
resistência. Nem todo mundo tem a cabeça vazia para aceitar a dominação
cultural. O mestre Adeildo Vieira testemunhou: “Estive no domingo de carnaval
em Itabaiana. Tive que sair correndo do barulho e da absurda desorganização. Os
paredões estão vencendo a lógica popular do nosso carnaval. Me senti órfão da
alegria carnavalesca da minha terra. Sim, ela está na UTI. Precisamos
ajudá-la.”
Quem entende de cultura é quem vive para
conservar a tradição, como Margareth Lígia Bandeira, que lembrou: “O TAC (Termo
de Ajustamento de Conduta) feito na campanha do poeta Jessier contra os
paredões parece que deixou de valer. Este ano, o MP liberou os paredões, desde
que em circulação. Donos dessas máquinas juntaram 10 pessoas, registraram como
"bloco" e o resultado foi paredões à vontade, circulando e parados,
invadindo blocos de bois, caboclinhos e escolas de samba.
Por outro lado, o carnaval foi pródigo
em cenas do folclore político. No meio dos trios e dos paredões, os políticos
acenavam para o povão, davam beijinhos, abraços e notas de cinco reais. O filho
da ex-prefeita Dida, Sinval, pré-candidato a prefeito, foi abraçado e aclamado
pelos foliões já saudosos das delícias e gozos de sua gestão. O prefeito Toinho
Meu Querido pagou, ou prometeu pagar, um trio elétrico para o bloco da Saudade
e ajudar no cachê da orquestra. Na terça-feira, “o prefeito esfarrapou”,
segundo um membro do bloco, e Sinval aproveitou a deixa para ganhar do seu
adversário. Mandou um trio elétrico maior e mais moderno. Quando Toinho viu
aquilo, ficou muito macho, chamou o povo do bloco e foi taxativo:
--- Se a orquestra subir nesse trio de
Sinval, eu não pago.
Resultado: a orquestra não subiu no trio
elétrico de Sinval, desfilou no chão, no meio dos paredões e paredinhas. De
certa forma, foi uma volta ao passado, porque a tradição era a orquestra sair
junto com os foliões, pisando a terra quente do frevo e do samba rasgado. Mas,
teve gente que quase rasga o fiofó de raiva.
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