Quando eu era garoto, ficava impressionado com a missa da
quarta-feira de cinzas. Multidão na Igreja para a missa e a cruz de cinzas na
testa em sinal de arrependimento. A maioria de carolas que nem brincavam
carnaval, mas eu ficava a pensar nas cenas do dia anterior: bêbados, devassos,
alegres, e agora tristes, com cara de penitentes, sorumbáticos,
taciturnos.
Muito antigamente, na Roma antiga, os cristãos já se
lambuzavam de cinzas para se penitenciar dos pecados cometidos nos três dias de
carnaval, mas a parada lá era federal, como se dizia nos tempos idos. O sujeito
se confessava ao padre e, dependendo da gravidade do que era dito ao confessor,
já saía da Igreja marcado. Se foi pecado de luxúria, cobriam-no com um saco e
botavam um rabo no infeliz. Nos casos de embriaguez, o triste folião saía
amarrado a um burrico, de costas, sob chacota geral da plateia. Quem teve a
insensatez de comer a vizinha, encher a cara de cana e, achando pouco, sair
vestido de mulher pegando nos perus alheios, era amarrado a um poste por 40
dias até ser oficialmente perdoado pelas ditas autoridades eclesiásticas.
Até hoje lembro de uma quarta-feira de cinzas, boquinha
da noite, no Alto dos Currais onde morava na velha Itabaiana do Norte. Eu
deitado na calçada da casa de seu João dos Anjos curtindo uma ressaca de quatro
dias, devoto de São Risal, o protetor dos mamadores de pinga, aparece uma moça
gordinha, mais simpática do que bonita, toda desconfiada. Ficou ao meu lado com
cara de Amélia. Cismado, indaguei:
--- Moça, que mal pergunte, você deseja alguma coisa?
E ela, já deixando rolar uma lágrima de decepção:
--- Você não ta lembrado de ontem, em cima do caminhão de
Toinho de Rosa, que me falou namoro e eu
aceitei?
Nessas horas, o pior dos canalhas procura um buraco pra
se esconder chão a dentro. Limpei carinhosamente a lágrima de desilusão da
pobre moça e filosofei:
--- Moça, uma lágrima não
é motivo para outra lágrima. Uma dor não é motivo para outra dor. Só o
riso, o amor e o prazer merecem revanche. Carnaval
tem todo ano. Quem sabe, ano que vem a gente não se encontra de novo no
caminhão de Toinho de Rosa fazendo o corso e retoma aquela conversa do namoro,
quem sabe até noivado?
A
fulana olhou pra mim com um misto de ódio e frustração:
---
Covardo!
E
saiu gritando, olhando pra trás, apontando minha triste figura pálida de tanto
absorver e metabolizar um montão de álcool, sob chacota e ridicularização geral
dos cabras safados meus parceiros que comigo curtiam a quarta-feira de cinzas.
---
Covardo! – repetiam os patifes.
Era mesmo que estar na Roma antiga
depois de confessar os pecados. Nunca mais esqueci da cena. Por essas e outras
é que se usa máscaras no carnaval, como canta Chico Buarque nos versos de
“Noite dos Mascarados”: “Mas é carnaval/ Não me diga mais quem é você/
Amanhã tudo volta ao normal/ Deixa a festa acabar/ Deixa o barco correr/ Deixa
o dia raiar, que hoje eu sou/ Da maneira que você me quer/ O que você pedir eu
lhe dou/ Seja você quem for/ Seja o que Deus quiser!”
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