quinta-feira, 19 de dezembro de 2013


Pior cordelista do mundo foi tentar a sorte em São Paulo


Como vocês sabem, coleciono poesias ruins. Tenho de todas as espécies, incluindo o trabalho daquele poeta escocês, tão ruim que as pessoas lhe pediam para recitar seus poemas apenas para vê-lo ser escarnecido pela plateia. Maldade escocesa que eu não recomendo. "A poesia dele é tão ruim que se torna memorável", disse Nial Scott, diretor da City of Discovery Campaign, que gravou parte das poesias do William Topaz McGonagall, morto em 1902. O escocês ganhou reconhecimento póstumo por ter dedicado sua vida à arte da poesia horrível. Eu presto meu pleito de reconhecimento a esses artistas ainda em vida.

Recentemente, tive o prazer de conhecer o poeta cordelista Erinaldo Melo, cujo trabalho se destaca pela inexpressividade aparente. Os poemas em cordel seguem regras de métrica e rima inescapáveis, sem elas não se faz um cordel. O poema, para ser um cordel, deve obedecer a uma estrutura poética fixa, com poucas variações de métrica e rima. O cordel de Erinaldo Melo briga com a rima e a métrica. Sofre de forte crise de limeirismo, lembrando o repentista Zé Limeira, rimador de versos sem pé nem cabeça, mas aí é onde está o nó: no futuro, quem sabe se algum decodificador de obras primas insuspeitas não vai finalmente ver no cordel de Erinaldo um valor que está hoje oculto? O próprio Zé Limeira já foi considerado o precursor da poesia moderna, ele que nem sabia assinar o nome. A falta de talento do menestrel Erinaldo para a rima e a métrica fechada, a ausência de ritmo, tudo isso pode ser considerado um avanço, um modernismo na arte de compor poesia cordelesca. Portanto, a obra do poeta Melo fica entre a genialidade e a mediocridade absoluta.

Não é minha intenção escarnecer nem humilhar o poeta. O que eu quero mesmo, e isso disse ao próprio, é criar um handcap para, quem sabe, dar visibilidade ao seu trabalho na luta inglória que esse Dom Quixote das letras nordestinas empreende pelas terras paulistas. É que meu compadre Idalmo da Silva, amigo do poeta, me informou que ele viajou para São Paulo em busca de reconhecimento, tentando ganhar a vida vendendo seus folhetos nas ruas da paulicéia desvairada, morando em um asilo, sofrendo fome, frio e desprezo como todo gênio incompreendido que se preze.

“Se você não é o melhor, que seja o pior, porque assim aparece também”, acredita o torcedor do Íbis Futebol Clube, considerado o pior time do mundo, saindo de sua humilde condição de saco de pancada do futebol pernambucano para a fama mundial. Veja o caso do escocês: mais de cem anos depois de morto, ele ainda é homenageado em sua terra, por ter sido medíocre além da conta. Espero que nenhum advogado de porta de cadeia venha atiçar o poeta pra ele me processar por crime contra a honra e a privacidade. Porque o poeta é um homem público, ele mesmo gostadorzinho de uma promoçãozinha, não vai se encabular com nossos pontos de vista. Trata-se aqui de crítica literária.

Afinal, ser o pior poeta de cordel não é pra qualquer um não. Abaixo, uma mostra do trabalho de Erinaldo Melo:


Todos bichos parceiros
O ganso lerdo quá-quá
A preguiça dá estresse
Chave inglesa vem cá
Macaco vai te ajudar
A coruja acolá.

Uno somos carbono
A ciência afirma:
“...tu ao pó voltarás”.
Energia anima
Criatura divina
Filosofia rima.

Buzinarás bããã!!
Uns deixarás passagem:
Bombeiro, ambulância
E catam reciclagem
De ondas multicores
Sons relevam paisagem.

A estampa avião
Céu azul, o garoto:
--- Ixi, voa tão lindo!
Conserte olhar torto
Veja mais de perto
Há um aeroporto.

Bem vindo a Recife
Azul imenso tranchã
Praia Boa Viagem
No rio Catamarã
O galo cocoricó
O bem-te-vi amanhã.

Atento meta o pé
Segunda e terceira
--- Êh mundão intrigoso!
Natureza inteira
Beleza fascinante
E a brisa ordeira.

Tchau, um grande beijo

No asfalto macio

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