Conforme a filosofia de botequim, cada cabeça é um mundo. Eu
pouco me conheço, mas você, quem é? Não sabe. Não sei. Andando por aí, a gente
esbarra na vida dos outros e acha tão estranha! E vice-versa.
Camaradinha canta loas às terras percorridas nos
estrangeiros, gosta de Orlando na Flórida, adora Walter Disney, chama de merda
a cidadezinha do interior da Paraíba onde provavelmente nasceu. A miséria e a
grandeza dessas pessoinhas, mundos indelicados, colonizados, brutais em sua
rude visão de mundo.
Essa mulher é um mundo, disse Vinicius de Moraes em um
soneto sobre a miséria e a grandeza de quem ama. A outra, a da “dissolução dos
costumes”, bebe aguardente na birosca com sua amásia, conforme vi num
documentário imenso de humanidade, acho que de Egiberto Coutinho, sobre
moradores de um prédio no Rio de Janeiro. Que costumes?
Fiel à lei do cão, torcedor agride rival com tacape.
Multidão de jovens praticando luta livre no campo de futebol, batalha coletiva
que transforma malquerença de torcida em barbárie. A televisão que exalta as
lutas de MMA, a indústria cultural que propagandeia a violência é a mesma que
lamenta as cenas de porrada nos campos. Joelhadas, cacetadas, golpes violentos
no rosto, pontapés em pessoas caídas, tudo saído da lógica mercantilista escrota
das TVs pagas e abertas. De que mundo sai esse povo?
Jovem pára o Fiat Uno na porta de minha casa e bota o funk
na altura máxima do potente som. O outro, o vizinho de vinte anos, vive imerso
no mundo dele feito de silêncio e solidão. Um pária, um apátrida na pátria do
imbecil do funk.
Um sonho que não acabou. Ele canta todo dia a velha canção
composta em 1955 para ser gravada por Marisa Gata Mansa. Cintilando no olhar, a
mesma esperança de fazer sucesso no rádio de meio século atrás. Como um
fantasma derrotado, o velho gravador de fita permanece mudo. Nunca mais
repercutiu a modinha. Mas os vizinhos sabem de cor, de tanto ouvirem na sua voz
rouca de barítono. A esperança é uma tendência global.
À noite, meus medos crescem. Os pavores tomam forma, ganham
consistência. O fim do mundo será à noite. Pelo menos do meu mundo.
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