Baiano velho Dalmo Oliveira esteve visitando minha cidade,
Itabaiana do Norte. Gostou das pessoas, reparou no jeito do povo do interior
caminhar arrastando os pés, andou na feira na hora da xepa e ficou abismado com
a falta de promoção, comum em fim de feira. Quedou-se impactado diante do pútrido canal que corta a cidade. O jornalista e humanista Dalmo Oliveira não
entende a aceitação dos habitantes diante da realidade de uma cloaca em pleno
centro da cidade, um esgoto fétido a céu aberto, margeando uma favela
em plena pracinha ao lado da igreja, com seus barracos mal ajambrados, seus
bêbados, drogados e viciados de toda espécie convivendo na estrutura urbana
abandonada, caótica.
Tentei explicar ao baiano velho o insondável mistério do povo que
sobrevive diante de crimes ambientais de tal magnitude sem que haja qualquer
reação da sociedade. Era culpa dos mandatários, sempre os mesmos, com seus
vícios, seus podres esquemas. Itabaiana hoje é diferente da cidade onde morei
por trinta e três anos. Deformada, cortada por esgotos e infestada de barracos,
ela resiste como pode, mas ta difícil manter a personalidade que um dia mereceu
o epíteto de Rainha.
Na rua do antigo cabaré, uma senhora magrinha executava um ritual
de higiene, despejando uma lata de fezes no riacho. Depois, lavou as mãos na
água imunda e voltou para seu quartinho decadente. Sujeira por toda parte,
comércio caótico, lama na rua esburacada. Expliquei que aquela rua teve seus
dias de glória, era o mais esplendoroso baixo meretrício da região, lupanar que
vivia gloriosamente da grana dos barões do gado em faustosos tempos.
O baiano velho volta a martelar a mesma pergunta: “que impulso
leva um povo a se acostumar com o caos urbano?” Masoquismo puro, diria. Falta
de consciência cidadã, quase garanto. Baiano velho, observador que só fiscal de
gafieira, notou também o estilo de vida sem maiores angústias e temores, o
jeito elementar e franco das pessoas conviverem, quase sem medo. As casas com
as portas escancaradas, gente que pode viver com portas abertas, amigos
entrando e saindo, lares onde não parece haver solidão nem traumas.
Enfim, nada grandioso, algo terno e simplório como só sabe ser o
matuto. E aquela sensação de esfacelamento, de ruína, ficou como a impressão
maior do visitante, deterioração que passa despercebida pelos habitantes.
Dalmo mandou depois um trecho da poesia de Lira Júnior, no livro
“Labirinto de flores”:
O povo do lixo nasceu no lixo
mora no lixo y pensa que é lixo
o povo do lixo come lixo y acha que é bom
y quanto mais come
mais lixo é oferecido a ele
mais lixo é jogado pela janela do mundo.
Onde o povo do lixo mora
os valões da corrupção transbordam
y a imundície inunda seus barracos
penetra em suas peles y contamina suas mentes
vai para o coração y sai pela boca.
Fiquei realmente mal impressionado com aquele quadro do rio-esgoto de Itabaiana cortando a cidade quase inteira. Me senti numa cidadezinha do interior da Índia ou da mama África, sem nunca ter ido lá. Fico imaginando o impacto disso na saúde dos itabaianenses. Na minha Guarabira ocorre coisa parecida. Lamentável!!
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