Na Praça Rio
Branco não há sorriso amarelo
Adeildo Vieira
Distraidamente
pisei no pé dele, aplicando o vigor dos meus setenta e dois quilos sobre seu
dedo mindinho nu. Esperava eu que o estranho cumprimento do meu tênis àquele pé
arrancasse do compenetrado senhor um olhar lacrimejante e revoltado, quem sabe
elogios irônicos à minha querida mãe ou irados desejos trucidantes à minha
pessoa. Os dois segundos de expectativa que se seguiram após o meu pedido de
desculpas trouxeram um desfecho mais que surpreendente ao episódio, pois o
senhor sorriu e ainda me agradeceu pelo feito. Antes que eu perguntasse o
porquê de sua resignação, ele explicou que ali, naquela praça, as pessoas
manifestavam um sentimento de cordialidade tão intenso e corriqueiro que dava
prazer ter seu copo derramado por um esbarrão, sofrer um distraído esmagamento
de dedo ou até mesmo levar uma cotovelada involuntária no nariz. Tudo isso vale
a pena ante um sorridente e honesto pedido de desculpas, garantiu o simpático
senhor, segurando, ainda trêmulo de dor, o seu copo de uísque.
Cordialidade
é artigo em falta na prateleira dos dias, mas não naquela praça onde o estoque
de cumprimentos cordiais se faz inesgotável no depósito das almas que buscam na
paz da música brasileira um recanto de sossego. Lá na Praça Rio Branco
distribuem-se sorrisos ao som do choro e choram de emoção os mais
contempladores, ao se depararem com os sorrisos que se projetam no coração da
multidão que cresce a cada dia. As notas debulhadas do bandolim estendem o
palco à plateia, onde, embevecidos pela música brasileira, rodopiam casais,
lembrando uma caixinha de música onde se depositam as joias de Pixinguinha,
Jacob e Ernesto Nazareth.
A Praça do
Chorinho, como já passou a ser conhecida, inspira liberação do meu melhor
personagem, aquele que adora sair de casa pra brincar de paz ao som de música
brasileira feita pra acalmar o coração. Ele usa chapéu, gosta de se encharcar
de perfume, pôr o sapato mais confortável e sair distribuindo sorrisos. Sai à
cata de dedos mindinhos ansiosos por esmagamento em troca de um choroso pedido
de desculpas. Meu personagem favorito adora tomar uma cachacinha pra
transformá-lo de mero falador a tagarela, isso sem comprometer a embriaguez
provocada pela tarde de sábado embebida de som e de luz. Sim, porque o que o
tem embriagado mesmo é sentir filetes de luz projetados em seu copo, alvo
caprichoso do sol que se embrenha nos galhos das árvores seculares daquela
praça. Se tem uma coisa que ele não resiste é tomar goles de luz, assim como
tragos de João Pernambuco.
A Praça Rio
Branco tornou-se desaguadouro do Rio Sanhauá. A cidade já se reconhece naquele
rito de afirmação brasileira que transformou nosso sábado em ponto de encontro
lúdico, encanto lírico. Aquele palco é o portal que nos dá acesso a um futuro
de paz, ligado pela história perene da música brasileira. Aqueles músicos são
os anfitriões do paraíso.
Quando voltar
à “Praça do Chorinho”, penso seriamente em oferecer meu pé aos sapatos
distraídos das tardes chorosas de sábado. Naquela praça eu dou o meu pé a
torcer. Se levar os pisões, sorrirei aos cordiais pedidos de desculpas. Se o
sapato agressor carregar alguém acima de cem quilos, levarei resignadamente meu
sorriso ao hospital. Mas vou bem contentinho!
Ah, e antes
que eu me esqueça: Viva Canhoto da Paraíba!
Vamos saudar os Parabéns ao blogueiro Ranys Ribeiro do blog click conexão que completa aninho hoje 9 de novembro, parabéns amigo, felicidades...
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