sábado, 14 de julho de 2012

COLUNA DE ADEILDO VIEIRA


As pérolas nascem e crescem nas ostras. Para saber das pérolas é preciso saber do coração das ostras. Mais sabedoria ainda é identificar o potencial de um grão de areia, que no âmago da ostra se faz pérola. É com essa sabedoria que precisamos olhar para alguém que ainda gesta os traços de uma expressão artística e que sonha por um lugar ao sol, um foco de luz sobre si, um olhar mais atento sem que as paredes do preconceito velem o pensamento e bloqueiem a percepção de uma realidade crua e por muitas vezes fascinante.

É muito fácil perceber as jóias incrustadas de pérolas que se atiram aos nossos olhos nas vitrines de neon dos shoppings. Delas todos querem falar, querem tocar e tê-las como adornos para o deleite de suas vaidades ostentadoras. Aí já não há mais pérolas e sim um produto mercadológico que se apropriou da beleza e raridade das belas pedras para a construção de um objeto capaz de satisfazer o desejo de consumo. A poesia da pérola ficou lá na ostra. Na condição de jóia, mais uma vez a pérola só será percebida como pérola por aqueles que sabem do coração das ostras.

Faço uso desta analogia para falar daqueles que só têm os olhos para o mercado e que dele se fazem séquitos. No âmbito cultural, falo, sobretudo, das instâncias de poder que tudo podem, inclusive identificar as belezas em seu nascedouro, mas que, em via de regra, preferem valorizar o produto pronto pra consumo. E o pior, muitas vezes jóias de pedra falsa.

Também há mercado pra poesia, pras belezas inatas que abrem seu coração pra vida. Então, por que fechar os olhos para uma possibilidade de mercado de um produto que carrega o cheiro da terra? Por que se entregar aos ditames de uma cadeia industrial que só reconhece o plástico descartável, as almas que se destinam exclusivamente às prateleiras? Pois bem, chamo a responsabilidade das instituições de cultura para cumprirem seu papel de trabalhar para a cultura e não apenas pra o mercado, de direcionar focos de luz para a escuridão de quem vive à luz de velas e não pra quem vive encandeado pelos holofotes da hipocrisia. Na verdade, este é um convite para a democracia, para o respeito a todo e qualquer ser humano que  manifeste a sua arte. Não há como negar o mercado, pois pra tudo há um espaço na prateleira, mas o que não podemos é praticar ao pé da letra a cartilha do neoliberalismo, entregando ao mercado o poder de gerir nossos destinos culturais.

Seguir a lógica do mercado é se deixar levar por um juízo de valor onde só se valoriza aquilo que aparece, só se reconhece o produto com o rótulo mais sedutor, que na maioria das vezes exagera nas cores pra compensar a falta absoluta de conteúdo. Em torno dessa estrutura surgem os pilares para a manutenção do próprio mercado, sobretudo as empresas de comunicação e até mesmo os formadores de opinião que, no pretexto de comentarem o universo artístico, se resumem a falar do que já está pronto e sacramentado no mercado. As expressões emergentes são vítimas de um silêncio ensurdecedor por parte dos críticos de arte, que também não se pronunciam sobre o lixo cultural que tomam conta do mercado. Silenciam para um, porque não acreditam em seu potencial e para o outro, porque não se luta contra cachorro grande. Falta-lhes sensibilidade e coragem, dois atributos indispensáveis pra quem quer fazer da vida uma aventura digna.

Posso estar na contramão dessa lógica, mas acredito mesmo é no caçador de pérolas e faço desta caça um assunto recorrente no meu cotidiano. Estou falando da nossa cena cultural, sobretudo no campo da música, em cuja seara  eu convivo. Esta coluna dará sua contribuição para o fim do ostracismo, realidade crua dos nossos artistas.

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