(Tela
do francês Alexander Louis Leloir, 1865)
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Conheci figuras invulgares. Umas na vida
real, outras na fantasia. Gostava de ouvir minha mãe contar a história de Jacó,
que brigou três dias e três noites com um anjo e acabou ganhando por pontos
essa luta desigual. Jacó teve algumas avarias, saiu da luta puxando de uma
perna, mas sobreviveu para contar a bravata, imortalizada no Velho Testamento.
Outra figura singular era Sili, batizada como
Maria Auxiliadora. Minha vizinha em Itabaiana do Norte. Bonita, cabelos longos,
olhar enigmático. Não falava com ninguém. Tímida, não tinha namorado. Certo
dia, apareceu um grupo de hippies e Sili iluminou-se toda por dentro e por fora
com a possibilidade de viver outra vida, independente e louca. Dispensou
despedidas da família, derrubou as barreiras do preconceito daquela comunidade
em relação aos andarilhos e foi viver sua vida itinerante. Meses depois,
voltou. Ainda com os cabelos longos, vestida com bata colorida e longa, flor na
crina preta e mais solta. “Paz e amor,” era seu breve discurso. Ao seu lado, um
rapaz barbudo, o que fez a cabeça de Sili. Deveria ser uma espécie de guru da
menina introvertida que carregava uma natureza enigmática. Agora era
“prafrentex”, psicodélica.
Eu na feira, fazendo locução para uma
difusora. Sili me pede dinheiro. “Podes crer, cara”, disse ela, quando
perguntei se era ela mesma. Pedia donativos para comer com o bicho grilo, seu
companheiro. Depois, sumiu de novo.
Uns dois anos depois, volta Sili. Agora sem o
bicho grilo e sem as pulseiras, anéis e colares, objetos símbolos daquele
movimento da contra cultura. Regressou sem falar a linguagem dos mochileiros.
Parecia que não havia escancarado sua vidinha simples ao pensamento novo, às
tentativas de ser outra pessoa no meio da desarranjada família dos humanos.
Jamais falou com quem quer que seja para onde foi, onde viveu todo o tempo, o
que fez e porque voltou.
“Somos todos esquisitos em alguma coisa”, garante
um sujeito que entende da natureza humana. “Esquisito é viver sem originalidade”,
saca a moça esperta. Outro jura que esquisito é quem se acha normal.
E o que é que tem o anjo que perdeu a luta
com essa história de Sili? Você não acha fora do comum uma entidade espiritual,
mensageiro de Deus, levar uma surra de um simples mortal? Sim, meu anjo da
guarda é da classe dos serafins e atende pelo nome de Veruian. Quem nasce sob a
influência desse anjo é dotado de grande inteligência e muito senso de liberdade.
Não é um sujeito muito paciente. Bizarro, singular e estapafúrdio, esse
camarada nascido sob a proteção de Veruian precisa ser controlado para não
virar um “bicho grilo”. O planeta é Marte e a pedra preciosa é Rubi.
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