terça-feira, 22 de março de 2016

Não é pelos cinco reais


Essa história parece com a narrativa de Kafka, mas é um lance comum, que acontece todos os dias com quem se acha na necessidade de navegar nas águas dos papelórios oficiais.

Recebi cem reais por um trabalho a ser pago dentro da planilha de custos de um projeto do Governo. Conforme instruções do edital, tirei cópia do cheque nominal e fui na Prefeitura pagar cinco reais do Imposto Sobre Serviço e extrair a Nota Fiscal Avulsa. Levei uma manhã inteira para isso. Cheguei na sede da Prefeitura meio atarantado, com uma bengala apoiando uma das pernas. Naquelas circunstâncias, uma senhora caridosa me pegou pelo braço e me levou na sessão correspondente aos impostos. Tirei a senha dos meio inválidos e esperei meia hora para ser chamado.

Segunda parte: o contador perdeu o original do Imposto Sobre Serviço. Tive que voltar à Prefeitura para pegar uma segunda via do documento. Dessa vez não teve senhora caridosa. Saí manquejando pelos longos corredores, atrás de um servidor que me fizesse o favor de rodar uma segunda via. Encontrei o dito cujo, aliás, uma mocinha de jeito modesto, mas de cara séria, como quase todo aprendiz de burocrata. Ela foi enfática: só poderia fornecer a segunda via depois que eu preenchesse um formulário. Com um detalhe: teria de esperar uns oito dias para ter notícias do despacho.

Dada a entrada no requerimento, espero há mais de 20 dias a resolução desse intricado caso. Enquanto isso, o projeto não pode ser encaminhado para prestação de contas porque falta um recibo de R$ 5 reais, cuja comprovação de pagamento está na Nota Fiscal Avulsa.

A impressão que eu tenho é de que eles fazem de tudo para complicar a vida do cidadão, quando menos, para lembrar que esse pagador de impostos não merece um tratamento digno ao ser atendido com agilidade, para jamais esquecer o seu papel no sistema: um simples, persistente, honesto, submisso e serviçal de uma sociedade incoerente e delirante.

Desde garotinho que escuto a cantilena: “é preciso combater o câncer da burocracia que assola o país”. Criaram até um Ministério pra isso, acho que em 1979. A pasta foi extinta para dar lugar a mais três autarquias, entre elas o Ministério da Administração. Na verdade, o Brasil é um país do cambalacho e da tramoia. Faz parte do nosso “modelo” econômico desde a invasão dos portugueses.



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