sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Evoé, malandro, que aí vem o carnaval!


Morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz
O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
Este é um trecho da música do cara que queria botar o bloco na rua, Sérgio Sampaio. Pensei nesse poema quando acabei de falar com um rapaz amigo meu, assessor de um prefeito desses que se aproveitam do pensamento alienado da vida brasileira e fingem que administram para uma galera que olha deformadamente as relações de poder, aceitando a realidade fantástica que daí se cria. O assessor me disse, e eu já sabia, que na prefeitura todos mandam e ninguém tem força para nada. O mais comum é o prefeito fingir que governa, procurar agradar todo mundo e deixar tudo relativamente abandonado.
Homem ciente do seu papel como profissional, o assessor vai tocando o barco como pode. Das coisas da administração, o cara ta mais por fora do que mão de afogado. É um assistente imaginário de uma gestão “faz de conta”. De modo que a oração por aquelas bandas é: “Nossa Senhora do Desmantelo, rogai por nós que recorremos a Vós”. Planejamento sério é mais difícil ali do que desodorante pra suvaco de cobra. Um dia a casa cai, mas, antes que caia, “aproveitemos enquanto Bras é tesoureiro”.
Esse Brás deve ser um sujeito muito antigo, do tempo colonial, malversador das patacas reais portuguesas. No entanto e todavia, se Deus é brasileiro, a vida é um grande carnaval. Esparramemos nossos buchos na cadeira do bar e tomemos a primeira do dia em honra ao deus Momo, com o pensamento no tolerante tesoureiro Brás e seu chefe desobediente às leis do país, mas flexível aos preceitos da malandragem oficial. Falando nisso, bota na vitrola o velho disco de Chico:
Agora já não é normal, o que dá de malandro
Regular profissional, malandro com o aparato de malandro oficial
Malandro candidato a malandro federal
Malandro com retrato na coluna social
Malandro com contrato, com gravata e capital, que nunca se dá mal
Carnaval da choradeira, diga-se de passagem. Carnaval da crise. Para os de minha idade, os prazeres da carne já nos abandonaram. Atualmente, nós, os coroas, enriquecemos nosso espírito com aprazimentos mais elevados, tipo massagear as pernas antes de dormir para poder levantar no dia seguinte. Ninguém esqueceu, no entanto, as delícias da folia, notadamente os encontros e desencontros carnais, profundamente humanos e safados.
Notai que nos carnavais de antigamente, as troças satirizavam os tipos e costumes da sociedade, num anarquismo ébrio de três dias revolucionários. Já não tem graça zombar dos tiranos e dos hipócritas. Carnaval de hoje vetou o aroma volátil das lanças, substituídas por pedras terríveis e terminais. Do velho entrudo português, onde se jogavam ovos, farinha e água nos passantes, evoluiu para o Pierrot, Colombina e Arlequim, terminando no bloco dos idiotas unidos. Raposa velha e entrevada, repito a fala da fábula: “Não vou brincar carnaval. Está abaixo de minha honradez e decoro”.


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