segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

O carnaval de Geraldo Caranguejo

Eu, Geraldo Caranguejo e seu filho Zé Caranguejo


Como diria o Zeca Pagodinho: “Tando em cima da terra e embaixo do céu, qualquer lugar pra mim tá bom”. Hoje, segunda de carnaval, estou na cidade de João Pessoa, um lugar quase que totalmente deserto de foliões carnavalescos. Quem pode, se mandou para as praias. Os pobres ficam por aqui tomando pinga no barzinho de subúrbio ou deitados na rede velha, igual ao velho Leão, lendo Oswaldo de Andrade e curando o dodói da dengue.

Para recordar meus antigos carnavais de Itabaiana, republico crônica contando as proezas do nosso bando nas folias de Momo.


No clima carnavalesco, desentranho memórias de antigos carnavais itabaianenses. Era um quinteto formado por Fábio Mozart, Geraldo Caranguejo, Sanderli, Roberto Palhano e Joacir Avelino, integrantes da jocosa comédia humana que é o tal do tríduo momesco, no tempo em que carnaval era galhofa, birita e alegria mais ou menos inocente, diferente de hoje quando essa festa transformou-se em esquemas mercenários dominados por grotescos bandos de jovens vestidos com um tal de abadá e correndo atrás de trios elétricos martelando músicas infames como trilhas de máquinas de fazer dinheiro. Acho o carnaval hoje uma coisa idiota.

Mas os meus carnavais de antanho (que palavra!) eram carnavais! Lembro que não se tinha fantasia, então recorríamos ao guarda-roupa do Grupo Experimental de Teatro de Itabaiana (GETI). Um ano saímos eu de cangaceiro, Sanderli vestido de diabo, Joacir com roupa de bobo da corte e Geraldo Caranguejo vestido com uma batina de padre. 

Breve parêntese para as apresentações: Roberto Palhano ainda toma “pau dentro” na barraca de Zezão, no Geisel, Sanderli hoje é crente de Jesus, Joacir paga seus pecados correndo atrás de bandidos no sertão de Alagoas, eu continuo anarquista e Geraldo Caranguejo é o que sempre foi: um cara arretado, maravilhoso ser humano que veio ao mundo para se divertir e alegrar os semelhantes. Geraldo já era o próprio carnaval nos dias comuns, imagine! Espirituoso, teatral, piadista, nunca se viu o cara com raiva ou triste. Era a encarnação do riso popular, alegre e festivo, malicioso e ingênuo. Geraldo realizava sempre o milagre de mostrar o que realmente somos: ridículos coletivos. A humanidade é um bando de palhaços que querem ser levados a sério. Geraldo apontava o dedo e dizia: o rei está nu!

Eu disse era, mas corrijo: ele ainda é tudo o que eu afirmei, pois continua vivo. Deixou de beber por causa do fígado um tanto avariado, mas a verve continua a mesma. Sua rica e comunicativa passagem por nossas vidas se deu porque foi meu camarada de trabalho na rede ferroviária e parceiro em muitas noitadas de cantoria de viola na beira da linha nas vésperas da feira de Itabaiana e em muitos carnavais.

Nesse carnaval em que saiu de padre, Geraldo resolveu visitar as putas dos cabarés da Rua Treze de Maio, o famoso Carretel. Chegou abençoando as meninas. Terminava dizendo: “que Deus a tenha e o diabo a carregue”... Rezava uma reza doida, rimando fé com Maomé e aleluia com farinha na cuia. As meninas, matutinhas ingênuas, pensavam que o cara era mesmo padre. Na quarta-feira de cinzas, chegou na igreja um grupo de raparigas procurando um tal de Padre Geraldo Caranguejo, que inventou um jeito novo de comungar, substituindo a hóstia por tira-gosto de caju e o vinho por cachaça “Pitu”. Dizia que era a adaptação cultural da religião conforme os costumes nordestinos.

Só uma vez testemunhei Geraldo chorando. Foi num carnaval. Fim de festa, dia amanhecendo, todos sujos de talco, graxa e lama, lisos e entrando naquele túnel terrível que anuncia a depressão da ressaca. Um mendigo pedia esmolas na calçada da igreja. Geraldo parou e colocou seu chapeuzinho de bobo de uma corte sem rei na cabeça do velhinho, que sorriu com sua boca sem dentes, agradecendo. O antes alegre folião Geraldo Caranguejo parou um instante diante do velho e começou a chorar, muito digno.

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