terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Cenas da guerra urbana

Essa quem me contou foi Dalmo Oliveira, que inventou de passear em Salvador mesmo na semana da greve da polícia de lá. Precisando se enturmar, Dalmo tomou um ônibus e foi circular na capital da Bahia. Pegou logo de cara um engarrafamento monstro. No ônibus, todo mundo comentava a greve da Polícia. Sem saber onde ir e sem sair do lugar, desceu do ônibus e saiu a pé no meio do quase tumulto de uma tarde sombria. Gente apressada, gente se lamentando por tempo perdido, menino perdido, segurança idem.

Dalmo saiu pelas calçadas esbarrando nas pessoas e declamando silenciosamente os versos do poeta: “A solidão é o mais claro e obscuro dos refúgios. Caverna grotesca em metrópoles, paralisa olhares em cada esquina”. As pessoas andam em paralelas, não se encontram nem no infinito.

Enfim, parou no mercado para comprar um litro de licor de jabuticaba quando esbarrou no sujeito esbaforido, sem os dois braços.

--- É um assalto, é um assalto!”, gritava o deficiente.  

--- Você vai fazer o que se eu não der a grana? Me morder?

O cotó saiu feito bala, com uma pequena multidão atrás. Estavam assaltando o mercado. O homem era uma das vítimas. Surpreso, Dalmo tentou entrar, quando percebeu que estavam atirando. Jogou-se no meio do estacionamento com uma senhora branquinha e um sujeito moreno vestido com a camisa do Bahia. Foi quando o celular tocou:

--- Senhor Dalmo Oliveira, é sobre seu débito com a Sky.

--- Vai tomar no cu! – gritou Dalmo, desligando o aparelho.

Enquanto isso, a bala comia solta na rua. O telefone voltou a chamar.

--- Alô!

--- Dalmo, ta a maior zorra, a maior confusão em Salvador. Não saia do hotel. Tou vendo agora na TV.

Era seu amigo Roberto Palhano, preocupado.

--- Vai tomar no cu também! – disse Dalmo, voltando a caminhar normalmente, com aquele passo e jeitão de Ray Charles.

A garrafa de licor ficou no estacionamento, quebrada. Óculos escuros, palito na boca, camisa meio desabotoada, Dalmo foi descendo a ladeira na Baixa do Sapateiro, sem deixar transparecer uma única gota do seu pavor paraibano. Parecia um policial civil em plena campana. Não foi mais incomodado.

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