Horta de
sonhos freudianos
Hoje
são trinta de março, dia de Eostre, Deusa da fertilidade e do renascimento na
mitologia nórdica. Amanheci regando uma hortazinha de pé de muro no meu quintal
árido, coberto de cimento. Mais um dia que começa a gente correndo desembestado
atrás do fim dessa quarentena, sem sair do lugar. Longos dias de quietude e
marasmo. E inquietude.
Um
beija-flor apareceu e amou a viçosa flor do maracujá por exatos três segundos.
O bastante para ele abastecer-se de néctar e atingir níveis de felicidade que
só quem se agitou nesses radiantes momentos infinitesimais de bem-aventurança
pode avaliar. Esses bichinhos acho que conseguem oscular a menina dos olhos de
Deus. Amanheci tentando me sentir lírico para afastar o ácido desses dias
corrosivos.
Amanheci
assistindo “O poço”, um filme de terror, metáfora supra violenta sobre a
sociedade de classes e a solidariedade. Recomendo, principalmente nesses
momentos em que precisamos pensar nos outros, nos que nada têm e estão expostos
ao coronavírus. Apesar das crueldades de gente como esse Capitão e seus colegas
de classe, ainda vigora o desejo de continuar dançando à beira do abismo do
poço, com a confiança e a fantasia de que a mensagem chegará ao primeiro piso.
No
mais, é manter a estabilidade emocional com leitura, música, arte e exercícios
físicos, conforme ensina o professor Ivaldo Gomes, ressaltando que essas
disciplinas curriculares são as menos valorizadas na escola e que aparecem
agora como a melhor forma de suportar a quarentena.
O
sábio chinês Chuang-tsé sonhou que era uma borboleta e, ao acordar, se
perguntou se ele mesmo não seria um sonho da borboleta. Entenderam? Eu também
não, mas pressuponho que seja algo ligado à nossa fragilidade enquanto seres
humanos e o desejo sutil de viver outras realidades. Eu queria ser aquele
beija-flor que beijou a flor do maracujá.
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