“Isolamento é uma situação que pode convocar os nossos fantasmas para a gente bater um papo com eles e resolver assuntos pendentes.” - [Sigmund Freud (1856-1939), médico psiquiatra austríaco criador da psicanálise].
Imbaúba é uma planta que serve para
fazer chá para hipertensos e é a comida do bicho-preguiça. A plantinha nasceu
no pé do muro no fundo do quintal e só percebi depois do segundo dia de
isolamento. Dá-se um nome para essas plantas que nascem nos locais mais
improváveis, porque a natureza insiste em sobreviver, vide o vírus da moda. São
chamadas de inço. Como tenho o hábito de deturpar informações, igual a todo
jornalista, atribuo o brotar dessa semente de imbaúba ao pássaro emissário do
deus grego Quelone, representante da indolência. O passarinho defecou a semente
no meu quintal cimentado e eis a imbaúba vicejando para me lembrar que a
ociosidade forçada pode ser produtiva e um exercício de autocrítica, reflexão,
aprofundamento nas coisas aparentemente banais e estudos correlatos. Estou na
fase de inclinação para essas pequenas descobertas nos monturos e fundos de
gaveta. Tentando desconsiderar um pouco as opiniões tantãs, prejulgamentos,
afirmações preconceituosas, interpretações dúbias, invasão da intimidade e
outras idiotices cruéis das redes sociais.
Estou tentando organizar um quarto
sobrecarregado de livros, pastas, entulhos em geral. Consultores garantem:
esses ambientes atraem energia estagnada. Pilhas de papéis antigos que vão ao
teto. Se o isolamento espichar até setembro, como ameaçam as autoridades
sanitárias, talvez termine a tarefa.
Na net tem um monte de kit
faça-você-mesmo para organizar arquivos mortos. Falando em mortos, comunico que
passei a usar o melhor da televisão, que é o botão de desligar como dizia
Stanislaw Ponte Preta. O meu vizinho pirado passa o dia todo ligado, ouvindo
missa na TV e rezando. Ele garante que tem o escudo de Deus para proteger do
vírus, mas não se garante pra sair de casa um palmo. Quase que me vejo assim
numa espécie de reality show macabro.
Ninguém quer ser eliminado. Tutoriais ensinam a sobreviver na guerra contra o
vírus. Evitar riscos previsíveis. O melhor lugar pra se esconder é dentro de si
mesmo e reinventar situações cotidianas, desrotinizar a rotina.
Voltando à imbaúba, a plantinha me faz
revisitar o absurdo de nossa realidade. Ela não tem chance alguma de prosperar
naquele ambiente, mas seu dever moral e cívico e patético natural é germinar,
botar a cara ao sol e esperar seu predador, o bicho-preguiça que jamais virá.
Fantástica a passeata de jovens zombando do coronavírus numa cidadezinha
brasileira. Vi no Facebook. Com direito a carro de som e apoio de professores.
Parece que se trata de uma manifestação a favor de Bolsonaro que garantiu não
ter medo de “uma gripezinha”. Olhos, narizes, bocas, risos fazendo a cena da
insustentável leveza da imbecilidade. A imbaúba e o grupo de jovens
bolsonaristas têm um elo em comum: vivem situação limite e inexplicável para
eles mas não têm angústia nenhuma porque lhes falta consciência do real. Me vem
à cabeça uma piada antiga da sessão de achados e perdidos onde toda manhã a
funcionária pergunta aos gritos para um grupo de pessoas: "quem perdeu um
cérebro?”. Segue-se, então, um eloquente silêncio.
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