É necessário reafirmar a ética e o amor. Inadvertidamente
ou não, o médico Drauzio Varela abraçou uma pessoa encarcerada, autora de
crimes hediondos. A matilha sentiu necessidade desvairada de trucidar o médico
com seus dentes impostores. Apologistas do ódio, tendência em alta.
No outro dia, compadre meu transitando com sua bicicleta Monark
Barra Circular, desviou do ônibus Geisel Circular e foi esbarrar no carro da
madame. Quebrou um pedal, furou o pneu do carro e sofreu ligeiras escoriações,
como se diz nos boletins policiais. A motorista, aflita, desceu para prestar
socorro. “Desculpe, senhor! A culpa foi minha. Eu com a cabeça quente, acabo de
brigar com meu marido, não vi sua bicicleta”. Ofereceu-se para levar o
padecente ao hospital, disponibilizou algum numerário para despesas médicas e
pediu para rezar o joelho do meu compadre. O velho e chato ciclista esqueceu o
padecimento e, conforme testemunhas, permitiu que a madame entoasse uma
estranha oração oriental. “Não era da galera do Alá, porque a moça não orou
voltada para Meca”, observou o compadre, que é desses tipos conhecedores de
todas as ciências humanas, incluindo as preces.
Ao fim, a moça pediu para dar um abraço na vítima. O mau
humor do padecente desapareceu no abraço energizado da madame. “Rapaz, eu senti
um vigor moral, foi o melhor abraço que alguém me deu!”, revelou o ciclista
macróbio e malcriado. Ele foi embora, olhando para trás e mancando,
contemplando com um devoto olhar aquela senhora tão simpática e deferente. Seu
escudo de ceticismo na humanidade do gênero humano derretendo ao sol da
compaixão. Recusou o dinheiro. “Seu abraço foi minha indenização”, confessou,
ao ser interrogado pelos outros compadres.
Qual a diferença entre abraçar um criminoso e apertar ao
peito outro ser humano carente, prostrado e tensionado? Esquerda e direita são
lugares relativos da política. Nesse caso, diante do rancor e hostilidade dos
anti abraços, os favoráveis aos amplexos gerais e irrestritos são de esquerda.
Por isso se diz “amigos que ficam do lado esquerdo do peito”.
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Editorial da
revista FOLHETO
Tenho
65 anos e aos sessenta fundei a Academia de Cordel do Vale do Paraíba, em
Itabaiana. Antes, havia fundado três jornais, três rádios comunitárias, um time
e uma liga de futebol, uma associação de bairro, duas entidades culturais e
dois grupos de teatro em três cidades: Itabaiana, João Pessoa e Mari. Sou um
cabra fundador. Faltou competência e criatividade para construir mais, além de money. Também incorri em muitos erros e
desregramentos. Faz parte.
Mas,
enfim, eu quero dizer que a Academia de Cordel do Vale do Paraíba chegou aos
cinco anos nesta nação de alta mortalidade cultural. Sinal de que está
vingando, apesar desse “instante anacrônico”. Cinco anos e já estamos em crise
de meia-idade. Mas, isso fica para discutir em outra ocasião. Agora, lembrar
apenas a parceria com os poetas Sander Lee e Thiago Alves na construção da
academia, e agradecer aos quarenta confrades e confreiras por manter viva esta
ideia, não obstante o cenário da cultura no país hoje, onde os ditos gestores
costumam pensar que artista é uma planta que se deve tratar com cuidado para
que não dê frutos.
Florescemos
e esta revista é um fruto maturado e ousado, num país cada vez mais ágrafo.
Nesta edição inaugural, fomos à Rússia entrevistar o poeta repentista
intelectivo Astir Basílio. De quebra, trazemos Lau Siqueira, um gaúcho
paraibano entendedor de poesia e outras invenções do pensamento. Por fim,
reconhecer a dedicação e entusiasmo de Stelo Queiroga, Manoel Belisario,
Marconi Araújo, Thiago Alves, Bento Júnior e Raniery Abrantes. Sobreviveremos,
apesar do “momento acidente”.
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