Pela
velha rua do cabaré está programada a passagem da Tocha Olímpica com seu
séquito de desportistas, falsos atletas, rufiões da imprensa, leões de chácara
dos patrocinadores, políticos e outros aproveitadores do momento midiático
inédito na cidadezinha. Bíceps decadentes, outros nem tanto, carregarão a Tocha
Olímpica por ruas injetadas por medidas urgentes de maquiagem urbana. Exercício
cínico de dissimulação. Uma pintura aqui, um buraco tapado ali, fiteiros
decadentes, esgotos a céu aberto e sujeiras devidamente retirados ou
mascarados. A gente tem a leviandade de achar que a simulação é necessária,
para a cidade não fazer feio perante o mundo, que é tudo pelo bem de nossa imagem,
embora falseada. É um exercício estranho esse de tentar enganar com encenação grosseira
uma realidade emporcalhada e indecente.
Na
ponte do canal, ergueram um muro. O canal é um esgoto putrefacto, fonte
inesgotável de moléstias. Com o muro, esperam esconder a sujidade e a degradação
ambiental que corta a cidadezinha. Não se trata de inventar uma estória para
convencer sobre alguma coisa. É algo assim como defecar e colocar uma flor
sobre o excremento, para fazer crer tratar-se de algo atraente e harmonioso. O alcaide
até já decretou: não serão permitidas manifestações negativas. Todos devem
fingir viver numa cidade higiênica e bem tratada. Ilusionismo fútil,
superficial. No palanque, o alcaide falará muito, mas pouco dirá. Não dirá
coisa nenhuma, na verdade. De tal forma que, hoje em dia, sua palavra vale
menos do que os coliformes fecais que fluem no canal pútrido.
Aliás,
para ser franco, penso que toda essa festança cumpre o papel de encobrir nossa
crise. Não só os canais sujos, a falta de esgotamento sanitário, o caos urbano.
Mas a crise moral, ética, tampada pelas cores escandalosas de um evento
patrocinado por um refrigerante insalubre, símbolo maior do consumismo e do
poder do mercado. Nossas vergonhas e indignidades aparecem todas arranjadinhas
para dar bem na vista e aparecer na televisão. Sei que estou sendo incomodativo
e importuno. Paciência. É como diz compadre Ameba: “eles são todos canalhas
mentirosos e não querem que a gente tome nota. Eu tomo, sim”.
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