sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Nunca mais...


Era o meu jeito. Não sabia fazer amizades, sempre arisco. Com vinte anos, saí de minha cidadezinha para o Norte do Brasil, atravessando o país a pé, de carona, caminhão, trem, ônibus, navio. Vendia sapatos de couro cru e bolsas de agave. Um dos poucos amigos que fiz na viagem, Napoleão, negro atarracado vindo do Maranhão para comprar uma câmera fotográfica Polaroid na zona franca de Manaus. Sonhava ganhar a vida difícil com a máquina de fotografia instantânea.

No porto de Santarém, Pará, carregamos o porão de um navio gaiola com pesados fardos de peixe cru para ganhar passagem de terceira classe para Manaus. No fim do dia, meu pescoço parece que havia afundado, e o cheiro de peixe, um fedor de xexéu-do-mangue, ficou entranhado na alma. Jurei que jamais comeria peixe. Napoleão não só comeu um tambaqui assado como disse que voltaria a Santarém para visitar, desta vez como turista, com a Polaroid a tiracolo.

Anos depois, voltei a comer peixe. Napoleão deve ter retornado a Santarém. Eu, nunca mais...

Namorava com a mocinha e a irmã da mocinha. As duas de rosto tranquilo, uma morena e outra loira, estudavam na mesma classe que eu. A loira sabia do namoro duplo. Traía a irmã com a tranquilidade inocente e sem culpa própria dos seus 16 anos.

Um dia, a morena nos pegou aos amassos. A macieza de seda de sua pele ficou da cor do algodão, mais pálida do que de costume. Nada exprimiu no momento do flagrante. Das brumas da memória, lembro que tentei discutir o assunto. “Não vale a pela. Talvez um dia a gente se encontre de novo, mas agora não dá”, disse a morena.

A loira, como era seu relativo direito, tentou se apossar da parte que cabia à morena. Algum tempo depois, a morena se findava, vítima de câncer no sangue. A loira continuou na escola, namorando os meninos e esquecendo a irmã descorada e fraca. Eu, nunca mais...


A fome apertava comigo nas ruas de Belém do Pará, em 1975. Sem vender as bolsas de agave, por um erro de estratégia empresarial, não arrumava numerário para comer. Explico: pensava que estaria trabalhando com um produto diferente, mas a região conhecia a juta, mais barata e mais resistente do que o agave. Resultado: produto boiando e fome apertando.

Foi quando encontrei a praça/feira dos mochileiros. Deram-me sopa e cigarros. Uma bela mulata de Pernambuco ensinou truques para sobreviver naquela cidade desconhecida. Contra os meus hábitos, me socializei com todo mundo. Aprendi que viajar é evoluir. A mulata tornou-se basicamente uma mochileira profissional. Eu, nunca mais...

No ano de 1988, fundei o Partido dos Trabalhadores na cidade de Mari. Coube em sorte conhecer pessoas iluminadas, gente simples, mas com um não sei quê de nobre e em alto grau de humanidade. Uma dessas pessoas era dona Benedita Luiza, senhora de sessenta anos que dedicou sua vida a servir aos mais necessitados. Morreu de câncer no seio.

Algumas dessas pessoas continuaram a fazer política, umas tomando rumos partidários diversos, outras ingressando na luta dos sem-terra. Depois da morte de dona Benedita, foi como uma senha para o partido perder as qualidades primitivas de companheirismo, dedicação ao próximo e real interesse em mudanças. Determinadas figuras ficaram na sigla por interesse pessoal, outros, bem poucos, ainda com a fé comovente da velhinha de Taubaté. De outros se diz que foram envolvidos em projetos político-partidários por ofício e meio de vida. Eu, nunca mais...

Um comentário:

  1. Nunca mais...sempre receiamos o nunca e após perdermos o que era tudo, vem aquele gosto de chapéu de couro na boca e sem chão só a vontade de dizer"Eu...Nunca Mais"!!!

    Gaby

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